segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Ode à intolerância: Amalou, Abrasel-MG e suas orientações frente à população em situação de rua


No dia 02 de outubro de 2013, o jornal O Estado de Minas veiculou matéria intitulada “Bairro de Lourdes tenta evitar presença de mendigos”, que versa sobre o posicionamento e ações empreendidas pela Associação dos Moradores do Bairro de Lourdes (Amalou) e pela Associação de Bares e Restaurantes de Minas (Abrasel-MG) em relação à presença da população em situação de rua no bairro de Lourdes, em Belo Horizonte.
As ações empreendidas com o aval das associações ilustram e reforçam o modo extremamente agressivo e intolerante por meio do qual a população em situação de rua é vista e tratada por parte da sociedade brasileira. O título da matéria já começa com um tom injurioso e difamatório, o que contribui para legitimar as ações empreendidas por aquelas associações e, ademais, reforçar o preconceito embutido na palavra mendigo, se considerarmos sua origem etimológica: pessoa que possui algum defeito e que, por essa razão, é considerada inapta ao trabalho. A palavra é derivada do latim mendum e traz consigo a ideia de “defeito”, “vício”, que, inerentes à pessoa, precisam ser corrigidos, eliminados.
Ao contrário, tratar esses indivíduos enquanto “pessoas em situação de rua”, desloca o entendimento incitando-nos a lançar luz sobre os processos que os levaram a viver nas ruas: não se trata de “mendigos”, “vândalos”, “viciados”, enfim, desestabilizadores da ordem social. Devem ser compreendidos, portanto, os processos por meio dos quais essas pessoas acabam fazendo das ruas seu espaço de sustento e moradia.
Em outras palavras, muda-se a forma como se entende a situação dessa população, não mais os compreendendo a partir de uma visão simplista que considera que esses se encontram nessa situação “porque querem” ou “porque são vagabundos por natureza” e outras explicações nessa direção. Trata-se, agora, de considerar os fenômenos estruturantes que fazem com que determinadas parcelas da população situem-se às margens da sociedade. Para compreender tais questões, é bom que se tenha como ponto de partida a seguinte consideração do sociólogo francês Robert Castel: “o processo através do qual uma sociedade expulsa alguns de seus membros obriga a que seja interrogado sobre aquilo que, em seu centro, impulsiona a sua dinâmica. É essa relação escondida do centro para a periferia que deve ser desvendada: o coração da problemática da exclusão não está lá onde encontramos os excluídos”.
Dito o que está por trás, de um lado, da noção de “mendigo” e, de outro, do conceito de “população em situação de rua”, passemos para os desdobramentos dessa diferenciação. Mais esguichos de água nos jardins, negar alimentos (inclusive os que estão prestes a vencer), deixar o lixo na rua no horário mais próximo da coleta (para evitar que os catadores de materiais recicláveis façam do lixo o seu sustento) reduzirá a população em situação de rua? Resolverá essa resistente questão social que é a existência das pessoas em situação de rua? Não. Tais iniciativas, incentivadas pela Amalou e pela Abrasel-MG, só ilustram a forma agressiva e intolerante por meio do qual a população em situação de rua é tratada principalmente nas regiões mais nobres das cidades. Ignoram o entendimento de que se trata de um público também sujeito de direitos, como todo ser humano. A postura dessas associações nos faz lembrar que todo direito posiciona-se no campo dos conflitos, e que, nessas lutas para a garantia de direitos, costumeiramente, são os interesses das elites políticas e econômicas e daqueles situados nos estratos superiores de nossa pirâmide social que prevalecem. Essas ações, incentivadas pela Amalou e pela Abrasel-MG, negam a perspectiva do direito à cidade, que é um direito coletivo, de todos os citadinos, e que não há como ignorar a existência de sujeitos específicos, também produtores das cidades e que fazem parte dela, como é o caso da população em situação de rua.
Ademais, foi instituída em 2009, pelo Decreto Federal nº 7.053, a Política Nacional para a População em Situação de Rua, que estabelece diretrizes e ações para a construção de processos de saída das ruas. No nosso entendimento, qualquer pessoa ou grupo de pessoas que queira se organizar junto das pessoas em situação de rua deve o fazer para exercer sua cidadania no sentido de exigir a efetivação de políticas públicas estruturantes e intersetoriais para essas pessoas. E, para além da cidadania, faz-se urgente resgatar, em nossas ações individuais e coletivas, a dimensão ética que passa, necessariamente, pelo respeito ao outro, independentemente de sua condição social, nele reconhecendo um ser humano, detentor de direitos e de dignidade.
Reiterando, não há como ignorar os conflitos, os processos de produção e reprodução de desigualdades de nossas cidades. Para que se revertam esses processos mais amplos de precarização em curso no País, deve-se ter vontade política para tanto. E em relação à população em situação de rua, a implementação de políticas de moradia, geração de emprego e renda, e de saúde, considerando a especificidade desse público, deve estar na lista das prioridades. Aí sim estaremos contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e menos desigual.

Pedro Paulo Gonçalves. Técnico Cientista Social do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH). Mestrando em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ). Contato: pedropbg@gmail.com

Maria do Rosário de Oliveira Carneiro. Advogada do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH). Contato: mrosariodeoliveira@gmail.com

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O MONOPÓLIO DA TERRA E OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL




“O monopólio da terra e os Direitos Humanos no Brasil”
 Maria Luisa Mendonça[1]

Maria do Rosário de Oliveira Carneiro

Resenha Crítica

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende ser uma resenha crítica sobre o capítulo “O monopólio da terra e os Direitos Humanos no Brasil,” escrito por Maria Luisa Mendonça, na obra Desafios aos Direitos Humanos no Brasil Contemporâneo, tendo como organizadores, Biorn Maybury-Lewis e Sonia Ranincheski[2]. Trata-se de um trabalho de conclusão da Disciplina Direito, Movimentos Sociais e Direitos Humanos, no Curso de Pós Graduação em Direitos Humanos. Na 1ª parte, priorizaremos elaborar uma síntese do capítulo, acima referido. Na 2ª parte, abordaremos outros elementos relacionados com o tema dos direitos humanos, isso é, diálogo com o texto resenhado.

O MONOPÓLIO DA TERRA E OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

A introdução da obra, escrita pelos organizadores, afirma que no Brasil há uma sociedade entre as mais desiguais do mundo. Segundo eles, o coeficiente Gini do Brasil o coloca entre os dez países mais desiguais do mundo,[3] mas a situação se torna pior por ser a maior nação, entre as mais desiguais, tanto em economia como em população.
Para os autores, apesar de após o Governo Lula, com os programas de transferência de Renda no Brasil, 12 milhões de famílias serem contempladas por tais programas, as questões relativas a violações de direitos humanos não desapareceram. Por exemplo, a taxa de homicídios tem aumentado muito e parte desta é resultado de assassinatos praticados pela polícia.[4]
Os programas de transferência de renda visam muito mais aumentar o poder de consumo das pessoas como se a inclusão passasse pela capacidade de consumo. Isto tem gerado uma série de problemas, como o aumento de endividamento etc. Outra questão que não se pode esquecer é a omissão da União, nestes anos de “Constituição Cidadã,” em regulamentar o artigo 153 da atual Constituição brasileira que prevê a criação do imposto sobre grandes fortunas. Talvez o mais urgente no Brasil seja a distribuição equitativa de rendas e uma das formas para começar a fazer isso seria criar o referido imposto e não com programas de transferência de rendas com forte estímulo ao poder de consumo. A história demonstra que nunca se consegue justiça através de inclusão pelo consumo.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) aponta para o fato de que de 1985 a 2009, em média, 2.709 famílias foram expulsas de suas terras e que 63 pessoas foram assassinadas em luta por terras anualmente. Uma média de 13.815 famílias foram despejadas pelo Judiciário, com medidas do Poder Executivo, cumpridas por policiais. Pessoas presas por lutar por terras a média anual é de 422 pessoas. Foi constatado, à época, 92.290 famílias na luta pela terra e uma média anual de 6.520 ocorrências de situações análoga ao trabalho escravo.
Pela classificação das Nações Unidas o Brasil pode ser considerado uma nação em estado de guerra, pois para a ONU, uma nação está em “estado de guerra” quando mais de 15 mil pessoas são assassinadas anualmente. O número anual total de homicídios no Brasil, urbanos e rurais, varia de 40 a 50 mil, tendo se aproximado dos 50 mil desde o ano de 2.000.
Temos contemplado, por exemplo, nos últimos anos no Brasil, um alarmante número de homicídios de pessoas em situação de rua. Dados do Centro nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Material Reciclável – CNDDH,[5] mostram que de abril de 2011 a dezembro de 2012, mais de 300 moradores de rua foram assassinados no Brasil e neste número não estão todos os casos, só as notícias que chegaram ao CNDDH. As pessoas em Situação de Rua são aquelas que, em sua maioria, sofrem todo tipo de violação.
Para Maria Luisa Mendonça, coordenadora e editora nos últimos dez anos do relatório anual sobre os direitos humanos no Brasil, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, e autora do Capítulo, objeto da resenha em tela, “quando analisamos os direitos humanos no Brasil, constatamos que a concentração fundiária está relacionada à maioria das violações, por representar a origem das desigualdades sociais e econômicas”. A propriedade privada, a riqueza, bem como os recursos produtivos são concentrados, efetivamente, causando a urbanização que tem caracterizado a história do Brasil nos últimos 100 anos. Além disso, o apoio para esta desigual distribuição tem sido política de governo.
Esperou-se que o Governo Lula e o Governo Dilma fossem fazer a Reforma Agrária no Brasil, por ser um governo considerado como de esquerda, que se construiu em diálogo com os movimentos sociais e populares e que foram eleitos, em boa parte, pelo voto do povo trabalhador. Contudo, tais governos não fizeram muito diferente dos anteriores. Aliás, ao invés de Reforma Agrária, construiu alianças com o agronegócio deixando de lado o projeto de Reforma Agrária para o Brasil.
As políticas de desenvolvimento e modernização iniciadas, ironicamente por um conservador, o presidente Getúlio Vargas (1930-1954), continuam sendo as políticas adotadas até hoje pelo governo Dilma escolhida não somente para dar continuidade ao partido dos trabalhadores no governo. Modernização, desenvolvimento e busca de grandeza constituem uma marca do desenvolvimento que, desde o início do século XX até o presente, teve por fundamento uma aliança entre os grandes proprietários de terra e as diversas encarnações dos industrialistas brasileiros e estes últimos são agora tanto urbanos quanto rurais.
Prova contundente desta aliança se deu durante o último ano da presidência do governo Lula que dentre um dos seus últimos atos, autorizou a construção do projeto hidroelétrico de Belo Monte no Rio Xingu. Isto, a despeito de o projeto haver sido engavetado por mais de 20 anos por causa dos protestos indígenas e dos aliados militantes brasileiros e internacionais. Trata-se de um projeto que estará entre os três ou quatro maiores projetos hidroelétricos do mundo.
Em nome de um progresso para poucos, a barragem de Belo Monte inundará mais de 500 quilômetros quadrados de floresta virgem no sudeste da Amazônia, deslocará 40 mil indígenas e atrairá 100 mil trabalhadores da construção civil e apoio para uma zona de conflito já altamente volátil localizada no sul do Estado do Pará. Com bastante previsibilidade aumentará mais anos de violência rural depois de concluída a construção da barragem e hidrelétrica de Belo Monte.
Afirma a autora que há dez anos a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos publica um relatório anual que analisa direitos civis, político, econômicos, sociais e culturais no Brasil. Um balanço deste período mostra que o país segue sem enfrentar as principais causas das violações de direitos básicos. Inconcebível que em pleno século 21 ainda não se tenha resolvido problemas como a fome, o analfabetismo, a concentração fundiária, o enorme déficit de moradia, o caos na saúde pública e o descaso com a educação, apesar de ser o Brasil a 6ª maior economia do mundo.
Os relatórios mostram que as violações aos direitos humanos são resultados de políticas econômicas neoliberais que geram maior desigualdade econômica e social. A concentração fundiária no Brasil está relacionada com a maioria das violações aos direitos humanos por representar a origem das desigualdades sociais e econômicas. O Censo do IBGE de 2006 revelou que as propriedades com menos de 10 hectares ocupam menos de 27% da área rural enquanto as propriedades com mais de mil hectares representam 43% do total.[6]
O Brasil é apontado pelo IBGE como o país campeão em concentração de terras, com um dos piores índices em concentração de rendas. Isto não permite que o Brasil supere o problema da fome, pois, apesar de todo seu potencial agrícola, dados do IBGE mostram que 14 milhões de pessoas passam fome e mais de 72 milhões vivem em situação de insegurança alimentar.
A reforma agrária é de suma importância para o conjunto da classe trabalhadora, tanto do campo quanto da cidade. Quando os camponeses são expulsos de suas terras, cria-se uma massa trabalhadora desempregada, passível de exploração e gera maior vulnerabilidade entre os trabalhadores urbanos e rurais. A manutenção da agricultura de subsistência tem um papel muito importante para o conjunto dos trabalhadores.
Importante destacar a importância da agricultura camponesa. Apesar de ocupar apenas um quarto da área, o IBGE constatou que a agricultura camponesa responde por 38% do valor da produção e que 12,3 milhões de trabalhadores no campo estão trabalhando com a agricultura camponesa, o que corresponde a 74,4% do total dos trabalhadores do campo.
Contudo, os camponeses hoje estão no centro da disputa por bens naturais, sobretudo nas regiões onde se concentra água, terra, minério e biodiversidade. A disputa geopolítica se dá tanto no âmbito nacional quanto mundial. Com a participação dos governos, o capital avança e agrava a exploração ambiental e trabalhista, restando apenas a resistência dos camponeses e suas organizações no combate a tal exploração.
O latifúndio no Brasil continua sendo beneficiado pelo Governo e a fronteira agrícola continua se estendendo. A relação entre a concentração fundiária e o apoio estatal é estreita. Para Frei Sérgio Gorgen, dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), “No Plano Safra 2009/2010 foram destinados 93 bilhões para o agronegócio e 15 bilhões para a agricultura camponesa”.
Além de ser desproporcional o fornecimento de subsídios, outras formas de privilégios são fornecidas ao latifúndio, como a Medida Provisória que legaliza a grilagem de terra na Amazônia, a flexibilização da legislação ambiental e trabalhista, sem contar a falta de investimento em atividades de fiscalização no combate, por exemplo, ao trabalho escravo.
O Fórum mineiro de Reforma Agrária divulgou informações a mais ao artigo publicado na Folha de São Paulo do dia 06 de janeiro de 2013 que tentou demonstrar a ineficiência do atual Governo brasileiro quanto a reforma agrária.
Para o Fórum mineiro de Reforma Agrária as políticas de reforma agrária no Brasil, na Bolívia e no Paraguai, por exemplo, têm um forte obstáculo: o agronegócio:
Este complexo de sistemas das corporações multinacionais está desafiando os movimentos camponeses no impedimento da reforma agrária, ora pressionando os governos, ora fazendo parte do arco de alianças de apoio aos governos de direita, centro e esquerda na América Latina, ao que o PT não fugiu a regra, e fez acordo para fins eleitorais, através, especialmente das usinas de cana de açúcar e empresas produtoras de laranja (leia-se SUCO CÍTRICO CUTRATRALE), em sua boa parte localizadas no interior de São Paulo, coincidentemente, região do responsável financeiro pela campanha da petista Dilma Russef, Antônio Palocci”.

Segundo o referido Fórum, um exemplo real e atual desse acordo acontece em Iaras, interior de São Paulo, área comprovadamente grilada pela citada empresa e ocupada pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que foi violentamente rechaçada, e no interior de Minas Gerais, na cidade do Prata, região do Triângulo Mineiro, próximo do interior paulista, onde a CUTRALE possui seis fazendas, e em uma delas, denominada Fazenda Vale Azul, com área irregular também, com degradação ambiental, com trabalho degradante, e o governo federal, nada faz, e por informação do próprio superintendente do INCRA em Minas Gerais, a casa civil afirmou que tem interesse na área, mas não para  a reforma agrária.
O agronegócio avança no Brasil e, além do apoio do governo federal, cujas campanhas financiou, conta com o poder judiciário que se faz conivente, haja vista a grande impunidade e morosidade dos processos que envolvem a luta pela terra, tanto os de desapropriação, quanto os processos criminais em que trabalhadores rurais ou seus  apoiadores foram vítimas de homicídios e atentados.
Neste sentido, podemos citar o massacre de Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, em que cinco trabalhadores rurais foram executados há oito anos e o mandante do crime, réu confesso, continua solto. O julgamento estava agendado para 17 de janeiro de 2013 e, às vésperas, foi adiado sem definição de nova data. Mais alarmante ainda: a fazenda, área grilada, parcialmente terra devoluta, tem a reintegração de posse a favor do assassino, determinada pelo judiciário.
O Portal Minas Livre[7], no dia 06 de fevereiro de 2013, trouxe a seguinte manchete: “Juízes acusados de favorecer latifúndio podem ser afastados”. Uma audiência Pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, neste mesmo dia, aprovou um requerimento ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pedindo o afastamento do Juiz Titular da Vara Agrária em Minas Gerais e da Juíza da 12ª Vara Federal que, segundo várias denúncias, tem agido com favorecimento aos grandes proprietários de terra em Minas Gerais, ao expedir liminares de reintegração posse de latifúndios que não cumprem a função social, sem visitar as áreas ocupadas e sem ouvir as famílias sem terra que, por necessidade, tiveram que ocupar essas áreas.
A matéria traz o depoimento do representante do acampamento de Rio Pardo de Minas, Isaías de Oliveira, que relatou que as famílias foram despejadas do local de forma irregular. “Fomos despejados na véspera do Natal e não tivemos como pegar nossas barracas e nem nossos pertences. Nossas criações ficaram todas no local. Apesar da terra ser devoluta, o juiz da vara de conflitos agrários, Octávio Almeida, mandou fazer a reintegração de posse”, disse.
Essa é a realidade agrária brasileira, da qual Minas Gerais é um triste exemplo, afirma o Fórum Mineiro de Reforma Agrária.
O INCRA, órgão que deveria prestar o serviço a esses trabalhadores rurais, buscando terras que não cumprem a função social para assentá-los e estruturar os assentamentos, tem sido conivente com o agronegócio. Não avalia, como manda a lei e a Constituição, crimes ambientais e trabalhistas, não vistoria as áreas e quando compra áreas, são de dificílimo acesso para trabalhadores que quando muito possuem um carro velho para escoar sua produção sofrida e conseguida sem apoio nenhum do governo federal, um completo descaso, abandono, e o apoio a empresas que possuem trabalho degradante e terra grilada como a SUCO CITRICO CUTRALE justamente por acordos de campanhas políticas, processos secretos sem direito a vista por trabalhadores que sequer sabem o resultado das vistorias”.

            O compromisso do Governo Federal com o agronegócio não permite a desapropriação de terras para fins de Reforma Agrária. Resta a resistência militante dos trabalhadores urbanos e rurais organizados frente a essa tremenda violação.
A crise climática se agrava com o avanço da fronteira agrícola, pois o Brasil é o quarto país do mundo que emite mais gás carbônico na atmosfera, sobretudo em conseqüência da destruição da floresta amazônica que representa 80% das emissões de carbono no país.
A produção de alimentos vem sendo cada vez mais substituída pela expansão dos monocultivos para produção de agroenergia e isto vem ocupando as melhores terras, inclusive as áreas de proteção ambiental na Amazônia e Cerrado.
A água tem se transformado em monopólio. A produção de agroenergia tem agravado a poluição das fontes de água potável e a qualidade das águas subterrâneas dos rios, litorais e nascentes vem sendo impactada pelo crescente uso de fertilizantes e pesticidas usados nos agrocombustíveis. Dados da ONU apontam para um número de 1,2 bilhões de pessoas que não tem acesso a água potável, 2,4 bilhões que não tem acesso a saneamento básico e todos os anos, 2 milhões de crianças morrem por doenças causadas por água contaminada. Nos países mais pobres, uma em cada cinco crianças morre antes dos cinco anos de idade por doenças relacionadas à contaminação da água.
O setor sucro-alcooleiro vem, cada vez mais, sendo monopolizado pelo capital internacional. Com crescentes incentivos do governo, empresas estrangeiras são atraídas pela produção de agroenergia e pretendem lucrar com a expansão do setor. Terras e usinas são compradas por estas empresas para a produção de etanol. O que vai surgindo é a desnacionalização da indústria e do território brasileiro.
Uma nova característica da indústria do etanol é a aliança entre os setores do agronegócio com empresas petroleiras, automotivas, de biotecnologia, mineração, infraestrutura e fundos de investimento com total ausência de contradição com a oligarquia latifundista, ambas beneficiadas com a expansão do capital no campo, com o apoio do governo e com o abandono de um projeto de reforma agrária.
Com a expansão dos monocultivos e a exploração do trabalho, o trabalho escravo permanece altamente presente no Brasil e é campeão no número de usinas de cana. Dados da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo da CPT, em 2007, dos 5.974 trabalhadores resgatados da escravidão no campo brasileiro, 3.060 ou 51% foram encontrados no monocultivo da cana de açúcar.
Empresas incluídas na chamada “lista suja” do governo, por realizar trabalho escravo, como a Brenco, continuou sendo beneficiada pelo BNDES.. Entre 2008 e 2009, o BNDES liberou 1 bilhão para as usinas da Brenco em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Ao mesmo tempo, 107 autos de infração foram expedidos contra a referida empresa que é presidida  pelo ex-presidente da Petrobrás, Henri Philippe Reichstul[8].
Além da real situação de desemprego por causa da expulsão dos camponeses de suas terras, as condições de trabalho degradantes são um dado alarmante com a expansão de monocultivos para produção de agroenergia.  Registra-se uma exigência das usinas de cana de 12 a 15 toneladas por dia por cada trabalhador. O não cumprimento da meta pode resultar na demissão do trabalhador e seu nome colocado em uma lista que circula pelas demais usinas impedindo-o de trabalhar na safra seguinte.
Salários ínfimos e em desacordo com a produção. Os trabalhadores não têm o controle da produção. À hora do pagamento são muitos os descontos. Pagam aluguéis caros, saem de casa muito cedo e tem que levar comida, pois a indústria não fornece. Os problemas de saúde são muitos.
As doenças causadas pelo trabalho, as mutilações e até mortes de trabalhadores são uma realidade nas usinas de cana de açúcar. Tendinites, problemas de coluna, deslocamento de articulações e câimbras. Raramente, tais situações são reconhecidas como acidentes de trabalho e ficam sem qualquer remuneração.
A migração, sobretudo de trabalhadores vindos do nordeste para São Paulo, faz parte do grande contexto dos trabalhadores. A vinda destes trabalhadores para São Paulo é fruto do desemprego causado pelo modelo agrário baseado no monocultivo e no latifúndio. As cidades dormitórios crescem nas regiões dos canaviais. Os trabalhadores vivem em cortiços ou barracos superlotados, sem ventilação ou condições de higiene, pagando por um custo alto  e sofrendo vários tipos de exploração.
Também no que se refere ao trabalho escravo, a impunidade é total. Não bastasse a legitimidade dada pelas políticas de governo de financiamento às empresas que utilizam o trabalho escravo, também aqui, no judiciário, a morosidade dos processos e a impunidade são alarmantes, haja vista a chacina que aconteceu em Unaí em 2004, onde foram assassinados 03 fiscais da Delegacia Regional do Trabalho e um motorista, justamente porque denunciaram o trabalho escravo na região, como expressa, indignado, Frei Gilvander Luis Moreira, assessor da CPT em Minas Gerais[9]:
“Era dia 28 de janeiro de 2004, 8h20 da manhã, em uma emboscada, cinco jagunços dispararam rajadas de tiros em quatro fiscais da Delegacia Regional do Ministério do Trabalho, perto da Fazendo Bocaina, município de Unaí, Noroeste de Minas Gerais. Passaram-se 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 anos. Já foi aprovada a Lei 12.064, que criou o dia 28 de janeiro como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Mas e a Justiça? Por onde anda? No dia 28 de janeiro de 2013 completam 9 anos da chacina”.

            Também neste caso, com julgamento previsto para fevereiro de 2013 por pressão dos movimentos sociais e populares, a juíza da 9ª  Vara Federal de Belo Horizonte, Raquel Vasconcelos Alves de Lima, responsável pelo processo, declinou da competência para a Justiça Federal no município de Unaí, retirando o processo de Belo Horizonte e retardando o julgamento. Importante destacar que a competência em relação ao lugar no direito processual é relativa e a Vara da Justiça Federal em Unaí foi criada em 2010, muito depois da ocorrência do crime que se deu em 2004. Afirma, na referida nota, Frei Gilvander Luis Moreira:
Enquanto reina a injustiça e a impunidade, o município de Unaí se transformou em campeão na produção de feijão, no uso de agrotóxico e no número de pessoas com câncer. Relatório do deputado Padre João (PT) demonstra que o número de pessoas com câncer, em Unaí, é 5 vezes maior do que a média mundial. A cada ano, 1260 pessoas contraem câncer na cidade. Aliás, um hospital do câncer já está sendo construído na cidade, pois ficará menos oneroso do que levar toda semana vários ônibus lotados de pessoas para se tratarem de câncer no Estado de São Paulo. A terra, as águas e a alimentação estão sendo contaminadas pelo uso indiscriminado de agrotóxico. Trabalho escravo e agrotóxicos matam”!
                Unaí, Felisburgo e outros lugares destacados acima representam o atual retrato do Brasil e o projeto político de utilização da terra.

CONCLUSÃO
A medida essencial e urgente para superar as violações de direitos básicos no Brasil continua sendo a reforma agrária. Faz-se urgente um modelo agrícola baseado na agroecologia e na diversificação de produção.
O latifúndio continua sendo o responsável pela violência no campo por meio das milícias armadas. Uma ampla reforma agrária que propicie o acesso a terra para milhões de trabalhadores sem-terra, aumentando a produção de alimentos para o Brasil é o que irá eliminar a fome. Políticas de subsídios para a produção de alimentos provenientes da agricultura camponesa e familiar, o fortalecimento das organizações sociais rurais que defendem um novo modelo alicerçado na produção diversificada e a construção da soberania alimentar são alternativas para uma reforma agrária ampla e massiva, medida de extrema urgência.
Junto a isto se torna imprescindível regulamentar o artigo 153 da Constituição Federal atual, criando o imposto sobre as grandes fortunas. Não é suficiente ou até se pode questionar a eficácia das políticas de transferência de renda como meios de emancipação. O estímulo ao consumo não pode ser visto como meio de inclusão. Não basta transferir renda, precisa-se distribuir rendas, gerar equidade. Para isto, é fundamental Reforma Agrária ampla, sob a perspectiva dos trabalhadores Sem Terra da Via Campesina e reforma urbana – que é diferente de urbanização de favelas -, Educação, saúde, alimentação, moradia e todos os demais direitos sociais e fundamentais de qualidade garantidos a todas as pessoas.
A tão esperada reforma agrária não saiu do papel da Constituição já editada várias vezes. Tal projeto cada vez mais se distancia dos planos de governo e resta ao povo, a resistência, o ato de ocupar. Aliás, a desobediência civil se legitima quando o direito é garantido e não se fazem por efetivá-lo aqueles que têm o dever de fazê-lo. Se perguntarem qual a saída, apontamos a resistência, a organização popular no campo e na cidade, o empoderamento consciente das classes trabalhadoras. Lutar de forma organizada é preciso, pois o capitalismo tende sempre a violentar pessoas, a devastar o meio ambiente, isso de forma gradativa. Por isso o capitalismo é barbárie. A alternativa é transformação social que leve ao socialismo. O caminho passa pela luta de massas, pelo povo organizado na conquista do poder.







[1] Diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
[2] Editora Verbena. Brasília, 2011.
[3] Depois da Namíbia, África do Sul, , Lesoto, Botsuana, Serra Leoa, República da África Central, Haiti, Colômbia e Bolívia.
[4] O Human Rights Watch : “as polícias de São Paulo e do Rio de Janeiro, juntas, mataram mais de 11 mil pessoas desde 2003(…) Muitos policiais compõem “esquadrões da morte” ou no caso do Rio de Janeiro, milícias ilegais armadas, responsáveis por centenas de mortes todos os anos”.
[5] O CNDDH fica situado em Belo Horizonte, à Rua Paracatu, 969, Bairro Barro Preto, e tem como um de seus objetivos combater a violência contra a população em situação de rua e os catadores de material reciclável.
[8] Folha de São Paulo, BNDES é sócio de usina acusada de usar trabalho escravo, 30/06/09.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Rotas tecnológicas para destino final dos resíduos sólidos (9 fotos) Organizado pelo Observatório de Reciclagem Solidária (ORIS), nos dias 25-26/09/13, está acontecendo o "Seminário Rotas Tecnológicas para a gestão, tratamento de resíduos sólidos e a reciclagem diante da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)" na UFMG, em Belo Horizonte. Parabéns para a equipe organizadora do evento e para todos/as os/as catadores/as presentes com uma brilhante participação. Uma coisa ficou clara: a tecnologia da incineração é incompatível com a reciclagem e com a PNRS, pois não sobrevive sem a queima de material reciclável, sobretudo o papel e o plástico, matéria de grande importância para o trabalho dos catadores e suas organizações, além de considerar os danos ambientais e à saúde pública. Umas perguntas não se calavam para mim: se os municípios garantissem 100% de coleta seletiva e reciclagem, sobraria material para ser incinerado? Mas a reciclagem, na PNRS não é uma ação prévia (obrigação do gestor) ao destino final? Por que se investe tanto em pesquisas e experiências para o destino final e quase nada para o fortalecimento das organizações dos catadores e a dignidade do trabalho que eles realizam? quais são os interesses que abraçam os resíduos sólidos no Brasil e no mundo? Esta luta não é só dos/as catadores/as. Ela é de todos/as nós!!!










Procuradores pedem aprovação de PL que inclui catadores como segurados especiais no INSS


por MP-MG | Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais 

“a inclusão dos catadores como beneficiária da previdência social é um grande avanço"

Incluir catadores de material reciclável no rol de segurados especiais do INSS, tornando-os aptos a perceber benefícios previdenciários. Esta é a finalidade do Projeto de Lei 3.997/2012, que está em tramitação na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados. A proposição tem o apoio da Associação Nacional dos Procuradores da República, que enviou nota técnica favorável à relatora, deputada Erika Kokay (PT-DF), nesta terça-feira, 10.
Segundo a entidade de classe,
“a inclusão dos catadores como beneficiária da previdência social é um grande avanço e implicará melhoria das condições de vida desses trabalhadores, que – além de laborarem para subsistência própria e da família – ainda exercem relevante papel na preservação do meio ambiente e na economia”.
Confira a íntegra da nota.
Se aprovado projeto beneficiaria os catadores de todo o Brasil permitindo a contribuição de 2,3% do rendimento para o INSS. Esse tipo de contribuição já é adotado para pescadores e arrendatários rurais.
Hoje os catadores não têm contribuição especifica para o INSS e tem de fazer a contribuição como trabalhador autônomo ou por meio da cooperativa que acaba contribuindo com o mesmo tipo de carga tributária de uma empresa, pagando impostos patronais, inviabilizando a contribuição da maior parte dos catadores que têm renda ainda muito baixa.  A contribuição varia de 11%, para quem contribui como autônomo, até 20% para os catadores que pagam por meio da cooperativa. A renda média nacional dos catadores é hoje a baixo de um salário mínimo.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Luta por direitos da População em Situação de Rua e dos catadores de Materiais Recicláveis

A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E OS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS EM SUAS LUTAS POR DIREITOS[1]

Maria do Rosário de Oliveira Carneiro[2]
            Pedro Paulo Barros Gonçalves[3]


1 A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

A população em situação é considerada um grupo heterogêneo que apresenta como característica comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados, a inexistência de moradia convencional regular e utiliza os logradouros públicos, as áreas abandonadas e desocupadas como espaço de moradia e de sustento. Encontra-se entre um dos grupos mais vulneráveis no Brasil[4].
O fenômeno da população em situação de rua possui múltiplos determinantes, e esses estão associados, certamente, à trajetória de vida, entretanto, o seu determinante mais significativo diz respeito à perpetuação do histórico processo de produção e reprodução de desigualdades sociais[5]. Ademais, deve-se levar em conta que esse processo é muito mais perverso quando se considera a especificidade que o mesmo assume nas periferias e semiperiferias do capitalismo, como é o caso de muitos países da América Latina e em especial, o brasileiro, aqui analisado. Em nosso contexto, observa-se a ausência ou ineficácia de políticas públicas voltadas para lidar com as situações de vulnerabilidade social dessa população. Restrições e obstáculos ao acesso a direitos sociais compõem a condição de vulnerabilidade da população em situação de rua, impostos pelas barreiras da seletividade e que se manifestam também no acesso à justiça.
            Como consequência dessa vulnerabilidade decorrente da condição social observou-se que esse grupo populacional, situado à margem da sociedade, é vítima de descaso, discriminação, preconceito e desprezo que resultam, em muitos casos, em ações violentas de agressão e muitos homicídios. Ademais, o desconhecimento sobre a situação das pessoas em situação de rua contribui para a formação de uma compreensão não só equivocada, mas sobretudo preconceituosa e discriminatória, o que leva à criminalização dessas pessoas em razão de sua condição social[6].
            Pesquisa realizada pelo Governo Federal em 71 municípios do país, publicada em 2008, incluindo as capitais e cidades com mais de 300 mil habitantes evidenciou a presença de 31.922 pessoas adultas em situação de rua. Entretanto, é importante observar que essa pesquisa não contabilizou a população em situação de rua das metrópoles de São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, por exemplo, o que subestima o número desse público no Brasil, já que as cidades citadas anteriormente pesam sobremaneira na incidência do fenômeno em tela. Feita essa ressalva, os dados levantados pela pesquisa apontam que 82% da população é predominantemente masculina, 53% das pessoas entrevistadas possuem entre 25 e 44 anos, apresentam um nível de renda baixo e 74% sabem ler e escrever..
O CNDDH desde sua inauguração, em abril de 2011, recebe e acompanha casos de violência contra a População em Situação de Rua em todo o país, tendo registrado número expressivo de violações de todo tipo, sobretudo de homicídios.  
De sua fundação, em abril de 2011 até 11 de setembro de 2013, o CNDDH registrou 1.291 denúncias de violações, realizou 311 atendimentos diretos (pessoas em situação de rua e catadores de materiais recicláveis que foram ao CNDDH) e 38 atendimentos coletivos (grupos de pessoas em situação de rua, associações e cooperativas).
Das denúncias, 634 são homicídios de pessoas em situação de rua, sendo que 140 homicídios ocorreram no Estado de Minas Gerais. Entretanto, é importante observar que o alto número de denúncias de homicídios no estado de Minas Gerais se dá também, entre outras razões, devido a uma maior facilidade no acesso a essas informações, já que o CNDDH situa-se nesse estado e em razão da interlocução do Centro com diferentes instituições do poder estatal e da sociedade civil organizada.
Dentro das categorias de violações com as quais trabalha o CNDDH, que estão em consonância com a tipologia de violações da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em primeiro lugar está a violência física, com um alto número de homicídios, e em segundo lugar, a violência institucional. Essa última caracteriza-se, grosso modo, por violência praticada por instituições que agem de modo a não cumprir as atribuições de sua razão de ser, e com excesso. Nessa categoria são incluídas a violência praticada por instituições de segurança (autoridade policial, guardas municipais, guarda privada), o abuso de autoridade, a omissão, a recusa de atendimento, a ausência de acesso a serviços, e outros tipos.
Os dados e o trabalho realizado pela equipe do CNDDH constatam que os serviços de prevenção e enfrentamento à violência contra a população em situação de rua ainda são insuficientes e/ou ineficazes. É incontroverso e já consolidado que a ausência ou ineficiência de políticas públicas que garantam os direitos sociais fundamentais contribui diretamente para o aumento da violência que atinge esse público.
Em face desse contexto de inúmeras violações e tendo em vista a perspectiva de garantia de direitos, verificamos que há a ausência de políticas, como as de moradia, saúde, trabalho, educação, entre outras, que promovam a real possibilidade de processos de saídas das ruas, mesmo depois da criação de uma política específica para esse grupo populacional, a Política Nacional, instituída pelo decreto federal 7.053/09, que vem reiterar o já assegurado na Constituição brasileira.




2 OS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS

             Os catadores de materiais recicláveis, enquanto profissionais que catam, selecionam e vendem materiais recicláveis e reaproveitáveis, têm forte relação com a rua pelas características de seu trabalho. Muitos deles viveram ou vivem em situação de rua, outros utilizam a rua como espaço de catação.
Atualmente, mesmo com o reconhecimento nacional de um protagonismo histórico na coleta seletiva e na reciclagem, esses trabalhadores enfrentam o desafio de lutar contra os projetos excludentes, originados pelo próprio poder público, sobretudo com as Parcerias Público Privadas (PPPs) e a  ameaça de incineração de resíduos, podendo extinguir a matéria prima básica do seu trabalho, além de causar graves danos ao meio ambiente e a saúde pública.
             Com o trabalho precário e sem a devida valorização, além da exposição constante a riscos e violências, os catadores de materiais recicláveis têm lutado por conquistar respeito e reconhecimento em todo o país.
      A Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305 de 2010, é um marco regulatório abrangente e um dos seus principais objetivos é a uniformização dos princípios e linhas gerais da gestão dos resíduos sólidos em todo o território nacional. Tal política é extremamente importante, pois pode estimular o debate para a implantação da mesma nos estados e municípios, já que, quando se trata desses entes federados, há vários equívocos no tratamento da questão.
O art. 9o da Lei 12.305/10 de certa forma é uma garantia para as Organizações de Catadores, pois estabelece uma ordem (hierarquia) de prioridade para os gestores públicos: “a gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos”. Sendo assim, não se pode realizar o destino final dos resíduos sem realizar as etapas anteriores, como a reutilização e a reciclagem.
Contudo, o mesmo artigo que traz uma possível garantia, traz uma grande ameaça em seu parágrafo primeiro ao afirmar que no que diz respeito aos resíduos, “poderão ser utilizadas tecnologias que visam à recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos”, desde que tenha sido comprovada sua viabilidade técnica e ambiental e com a implantação de programa de monitoramento de emissão de gases tóxicos aprovado pelo órgão ambientalNão se fala, por exemplo, da questão da necessidade e viabilidade da inclusão social que, para dizer o mínimo, é tão importante quanto.
Dentre as tecnologias que visam à recuperação energética está o “fantasma” da incineração que além de representar uma ameaça ao meio ambiente e a saúde pública, representa uma ameaça aos catadores e suas organizações, por passar pela queima da matéria prima de seu trabalho.
Alertou Dra. Margaret Matos de Carvalho, do Ministério Público do Trabalho da 9ª Região, em artigo por ela escrito, que não é possível ser adotada, no Brasil, qualquer tecnologia de recuperação energética que seja emissora de dioxinas e furanos, como a tecnologia da incineração, por força da subscrição, pelo Brasil, da Convenção de Estocolmo. Além disso, as informações são de que as cinzas da incineração podem representar 30% do processo e precisará de aterro especial, pelo nível de contaminação.
Um dos grandes avanços da Política Nacional de Resíduos Sólidos é que se trata de uma política pública de caráter afirmativo, destinada a enfrentar a discriminação que sofre o grupo social de catadores e catadoras de material reciclável  vindo ao encontro de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que é a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. (Art. 3º, III da CF/88).
A eliminação e a recuperação dos lixões (com prazo para 2014) prevista na Política Nacional devem ocorrer concomitantemente com a inclusão social e a emancipação econômica dos catadores, através da integração deles na gestão dos resíduos sólidos, de forma compartilhada com os gestores públicos.
Também é previsto na Política Nacional de Resíduos Sólidos a contratação da prestação de serviços dos catadores e suas organizações para a continuidade do trabalho que já realizam, asseguradas todas as garantias.
A melhor proposta apontada para o Brasil para a gestão dos resíduos sólidos, com a inclusão dos trabalhos dos catadores, é a reciclagem e a compostagem, o que possivelmente corresponde a um valor menor que a incineração.
A compostagem como adubo orgânico pode também contribuir com a solução de outro grande problema no Brasil que é a utilização de alto índice de agrotóxicos na produção de alimentos.
Daí a importância de ampliar as lutas e juntar as bandeiras. O tema do meio ambiente diz respeito a toda coletividade, pois o direito a um meio ambiente equilibrado é direito de todos.
Os direitos fundamentais dos catadores de material reciclável tem que  ser respeitados e efetivados, suas organizações precisam ser fortalecidas e os gestores públicos, no Brasil inteiro, não podem se esquecer que, além da obrigação constitucional e legal de garantir tais direitos, possuem uma imensa dívida com estas pessoas trabalhadoras pela grande contribuição no cuidado com o meio ambiente e pela inclusão de tantas pessoas no acesso ao trabalho por meio de suas organizações. O desrespeito a esta história configura uma imensa violação.
A agenda da garantia pelos Direitos Humanos no Brasil e em todo o mundo foram conquistas históricas que exigem a continuidade da luta para que esses sejam efetivamente respeitados. Ademais, deve-se seguir a luta para que outros direitos, como os direitos sociais e o direito à cidade, por exemplo, sejam assegurados, bem como a luta pela construção de uma ordem econômica com outras características. Uma economia que abrigue a ética e a justiça social, o que muito caracteriza o trabalho dos catadores e catadoras de materiais recicláveis.
Por fim, vale dizer que apesar de cada um dos públicos aqui tratados (a população em situação de rua e os catadores de materiais recicláveis) possuírem suas especificidades, eles se encontram em suas lutas pela efetivação de direitos em um lugar comum, a rua. A rua é o lugar onde vivem e/ou trabalham, e faz com que sonhem com um futuro melhor e com mais justiça social. E é por essa razão que a luta deles também é, ou deve ser, de todos nós.



[1] Texto elaborado para contribuir com a discussão no Fórum Mundial de Direitos Humanos em Minas Gerais, realizado nos dias 19 e 20 de setembro de 2013.

[2] Advogada do Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH).

[3] Técnico Cientista Social do Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH).

[4] Conceito embasado no Decreto Presidência n° 7.053 de 2009 que estabeleceu a Política Nacional para a População em Situação de Rua.

[5] O fenômeno população em situação de rua e suas origens e perpetuação é descrito por Maria Lucia Lopes da Silva em Trabalho e População em Situação de Rua no Brasil – São Paulo: Cortez, 2009.
[6] SILVA, Maria Lucia Lopes, 2009.

domingo, 1 de setembro de 2013

Carta da 17ª Romaria da terra e das águas de Minas Gerais e 9ª Romaria do/a Trabalhador/a Rural da Diocese de Leopoldina, MG.



Nós, romeiros e romeiras, do campo e da cidade, do Estado de Minas Gerais, reunimo-nos na cidade 
de Miradouro, Diocese de Leopoldina, Zona da Mata Mineira, para celebrar a 17ª Romaria da terra e das 
águas do estado de Minas Gerais e a 9ª Romaria do/a Trabalhador/a Rural da Diocese de Leopoldina. 
Anunciamos os projetos de vida, em sintonia com o Evangelho de Jesus Cristo, e denunciamos os projetos 
de morte que afligem o povo e o meio ambiente.
O compromisso com o Evangelho da Vida para todos – que gera esperança -, a fidelidade ao Deus dos 
pobres, aos pobres da terra e de Deus, nos convoca à reflexão sobre a realidade, ouvindo os clamores que 
vêm dos campos, dos camponeses, das cidades e do povo urbano. Em sintonia com os clamores do povo 
mineiro, em especial, as juventudes do campo e da cidade, escolhemos o Tema: Juventude no campo e na 
cidade, e o Lema: Defendendo nosso chão, nossa gente e a criação.
Denunciamos como projetos de morte a concentração de terras nas mãos de poucos, a privatização da 
terra e das águas, a monocultura de eucaliptos, da cana de açúcar, da soja e do capim. Nenhuma monocultura presta. Todas oprimem, violentam e devastam socioambientalmente. Denunciamos o modelo de sociedade capitalista, excludente, baseado na propriedade privada dos meios de produção, o que serve para legitimar a concentração de terra nas mãos de uma minoria, trazendo muito sofrimento e injustiças principalmente para as populações tradicionais que são expropriadas de suas terras, pela grilagem que continua desde o processo latifundiário das capitanias hereditárias até nossos dias com seus projetos grandes e monstruosos de barragem atingindo gravemente as comunidades tradicionais, os pescadores artesanais, extrativistas, camponeses e agricultores familiares.
Repudiamos a falta de compromisso dos governos com a reforma agrária, com a agricultura familiar e 
com a agroecologia. É uma grande injustiça destinar bilhões para o agronegócio e apenas migalhas para os 
pequenos do campo. Repudiamos como injusto e violento a liberação dos governos de projetos de 
mineração, de construção de grandes barragens, de monoculturas, projetos que trazem um rastro de 
destruição para o povo e para as comunidades. No campo, nas poucas matas, nos resquícios de cerrado, na caatinga, nos lagos e rios violados pelo arame farpado do latifúndio, pelo uso indiscriminado de agrotóxicos, pelo maquinário das madeireiras e das mineradoras, pelos projetos faraônicos das monoculturas, das barragens, das hidrovias e hidrelétricas, dos minerodutos etc. Basta desses projetos de morte! Estão envenenando a comida do povo brasileiro com agrotóxico. Através de minerodutos, os minérios e as águas de Minas estão sendo roubadas de nós e ficando só devastação. Isso tudo repudiamos.
Sejamos humanos e libertadores! Abracemos o antigo jeito novo de cuidar da terra como uma mãe
cuida de seus filhos. Salvemo-nos dos transgênicos lutando pela reforma agrária e pelo fortalecimento da 
agricultura familiar na linha da agroecologia. Agasalhemos a vida e o cosmo, como se agasalha nos ninhos 
as asas do futuro. No desejo de fortalecer a solidariedade e a luta por justiça, em defesa da vida e do meio 
ambiente, com a juventude, num só grito em defesa da vida da terra e das águas, do povo e de toda a criação.
A terra que Deus prometeu a todos, enquanto de todos não for, é um pecado da humanidade que clama aos céus. Alegramo-nos com as conquistas e os avanços nas lutas travadas pelos movimentos sociais do campo. 
Gratos pela acolhida e hospitalidade do povo de Miradouro e Diocese de Leopoldina, voltamos para nossas comunidades, revigorados para seguirmos lutando por Justiça e Paz. Com bênção do Deus da Vida, 
gritamos: Juventude no campo e na cidade, defendendo nosso chão, nossa gente e a criação. 
Que São Francisco de Assis, Santa Rita de Cássia e Nossa Senhora Aparecida nos inspirem e nos 
protejam.
Miradouro, Diocese de Leopoldina, Zona da Mata de Minas Gerais, 21 de julho de 2013.