quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Rotas tecnológicas para destino final dos resíduos sólidos (9 fotos) Organizado pelo Observatório de Reciclagem Solidária (ORIS), nos dias 25-26/09/13, está acontecendo o "Seminário Rotas Tecnológicas para a gestão, tratamento de resíduos sólidos e a reciclagem diante da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)" na UFMG, em Belo Horizonte. Parabéns para a equipe organizadora do evento e para todos/as os/as catadores/as presentes com uma brilhante participação. Uma coisa ficou clara: a tecnologia da incineração é incompatível com a reciclagem e com a PNRS, pois não sobrevive sem a queima de material reciclável, sobretudo o papel e o plástico, matéria de grande importância para o trabalho dos catadores e suas organizações, além de considerar os danos ambientais e à saúde pública. Umas perguntas não se calavam para mim: se os municípios garantissem 100% de coleta seletiva e reciclagem, sobraria material para ser incinerado? Mas a reciclagem, na PNRS não é uma ação prévia (obrigação do gestor) ao destino final? Por que se investe tanto em pesquisas e experiências para o destino final e quase nada para o fortalecimento das organizações dos catadores e a dignidade do trabalho que eles realizam? quais são os interesses que abraçam os resíduos sólidos no Brasil e no mundo? Esta luta não é só dos/as catadores/as. Ela é de todos/as nós!!!










Procuradores pedem aprovação de PL que inclui catadores como segurados especiais no INSS


por MP-MG | Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais 

“a inclusão dos catadores como beneficiária da previdência social é um grande avanço"

Incluir catadores de material reciclável no rol de segurados especiais do INSS, tornando-os aptos a perceber benefícios previdenciários. Esta é a finalidade do Projeto de Lei 3.997/2012, que está em tramitação na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados. A proposição tem o apoio da Associação Nacional dos Procuradores da República, que enviou nota técnica favorável à relatora, deputada Erika Kokay (PT-DF), nesta terça-feira, 10.
Segundo a entidade de classe,
“a inclusão dos catadores como beneficiária da previdência social é um grande avanço e implicará melhoria das condições de vida desses trabalhadores, que – além de laborarem para subsistência própria e da família – ainda exercem relevante papel na preservação do meio ambiente e na economia”.
Confira a íntegra da nota.
Se aprovado projeto beneficiaria os catadores de todo o Brasil permitindo a contribuição de 2,3% do rendimento para o INSS. Esse tipo de contribuição já é adotado para pescadores e arrendatários rurais.
Hoje os catadores não têm contribuição especifica para o INSS e tem de fazer a contribuição como trabalhador autônomo ou por meio da cooperativa que acaba contribuindo com o mesmo tipo de carga tributária de uma empresa, pagando impostos patronais, inviabilizando a contribuição da maior parte dos catadores que têm renda ainda muito baixa.  A contribuição varia de 11%, para quem contribui como autônomo, até 20% para os catadores que pagam por meio da cooperativa. A renda média nacional dos catadores é hoje a baixo de um salário mínimo.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Luta por direitos da População em Situação de Rua e dos catadores de Materiais Recicláveis

A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E OS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS EM SUAS LUTAS POR DIREITOS[1]

Maria do Rosário de Oliveira Carneiro[2]
            Pedro Paulo Barros Gonçalves[3]


1 A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

A população em situação é considerada um grupo heterogêneo que apresenta como característica comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados, a inexistência de moradia convencional regular e utiliza os logradouros públicos, as áreas abandonadas e desocupadas como espaço de moradia e de sustento. Encontra-se entre um dos grupos mais vulneráveis no Brasil[4].
O fenômeno da população em situação de rua possui múltiplos determinantes, e esses estão associados, certamente, à trajetória de vida, entretanto, o seu determinante mais significativo diz respeito à perpetuação do histórico processo de produção e reprodução de desigualdades sociais[5]. Ademais, deve-se levar em conta que esse processo é muito mais perverso quando se considera a especificidade que o mesmo assume nas periferias e semiperiferias do capitalismo, como é o caso de muitos países da América Latina e em especial, o brasileiro, aqui analisado. Em nosso contexto, observa-se a ausência ou ineficácia de políticas públicas voltadas para lidar com as situações de vulnerabilidade social dessa população. Restrições e obstáculos ao acesso a direitos sociais compõem a condição de vulnerabilidade da população em situação de rua, impostos pelas barreiras da seletividade e que se manifestam também no acesso à justiça.
            Como consequência dessa vulnerabilidade decorrente da condição social observou-se que esse grupo populacional, situado à margem da sociedade, é vítima de descaso, discriminação, preconceito e desprezo que resultam, em muitos casos, em ações violentas de agressão e muitos homicídios. Ademais, o desconhecimento sobre a situação das pessoas em situação de rua contribui para a formação de uma compreensão não só equivocada, mas sobretudo preconceituosa e discriminatória, o que leva à criminalização dessas pessoas em razão de sua condição social[6].
            Pesquisa realizada pelo Governo Federal em 71 municípios do país, publicada em 2008, incluindo as capitais e cidades com mais de 300 mil habitantes evidenciou a presença de 31.922 pessoas adultas em situação de rua. Entretanto, é importante observar que essa pesquisa não contabilizou a população em situação de rua das metrópoles de São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, por exemplo, o que subestima o número desse público no Brasil, já que as cidades citadas anteriormente pesam sobremaneira na incidência do fenômeno em tela. Feita essa ressalva, os dados levantados pela pesquisa apontam que 82% da população é predominantemente masculina, 53% das pessoas entrevistadas possuem entre 25 e 44 anos, apresentam um nível de renda baixo e 74% sabem ler e escrever..
O CNDDH desde sua inauguração, em abril de 2011, recebe e acompanha casos de violência contra a População em Situação de Rua em todo o país, tendo registrado número expressivo de violações de todo tipo, sobretudo de homicídios.  
De sua fundação, em abril de 2011 até 11 de setembro de 2013, o CNDDH registrou 1.291 denúncias de violações, realizou 311 atendimentos diretos (pessoas em situação de rua e catadores de materiais recicláveis que foram ao CNDDH) e 38 atendimentos coletivos (grupos de pessoas em situação de rua, associações e cooperativas).
Das denúncias, 634 são homicídios de pessoas em situação de rua, sendo que 140 homicídios ocorreram no Estado de Minas Gerais. Entretanto, é importante observar que o alto número de denúncias de homicídios no estado de Minas Gerais se dá também, entre outras razões, devido a uma maior facilidade no acesso a essas informações, já que o CNDDH situa-se nesse estado e em razão da interlocução do Centro com diferentes instituições do poder estatal e da sociedade civil organizada.
Dentro das categorias de violações com as quais trabalha o CNDDH, que estão em consonância com a tipologia de violações da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em primeiro lugar está a violência física, com um alto número de homicídios, e em segundo lugar, a violência institucional. Essa última caracteriza-se, grosso modo, por violência praticada por instituições que agem de modo a não cumprir as atribuições de sua razão de ser, e com excesso. Nessa categoria são incluídas a violência praticada por instituições de segurança (autoridade policial, guardas municipais, guarda privada), o abuso de autoridade, a omissão, a recusa de atendimento, a ausência de acesso a serviços, e outros tipos.
Os dados e o trabalho realizado pela equipe do CNDDH constatam que os serviços de prevenção e enfrentamento à violência contra a população em situação de rua ainda são insuficientes e/ou ineficazes. É incontroverso e já consolidado que a ausência ou ineficiência de políticas públicas que garantam os direitos sociais fundamentais contribui diretamente para o aumento da violência que atinge esse público.
Em face desse contexto de inúmeras violações e tendo em vista a perspectiva de garantia de direitos, verificamos que há a ausência de políticas, como as de moradia, saúde, trabalho, educação, entre outras, que promovam a real possibilidade de processos de saídas das ruas, mesmo depois da criação de uma política específica para esse grupo populacional, a Política Nacional, instituída pelo decreto federal 7.053/09, que vem reiterar o já assegurado na Constituição brasileira.




2 OS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS

             Os catadores de materiais recicláveis, enquanto profissionais que catam, selecionam e vendem materiais recicláveis e reaproveitáveis, têm forte relação com a rua pelas características de seu trabalho. Muitos deles viveram ou vivem em situação de rua, outros utilizam a rua como espaço de catação.
Atualmente, mesmo com o reconhecimento nacional de um protagonismo histórico na coleta seletiva e na reciclagem, esses trabalhadores enfrentam o desafio de lutar contra os projetos excludentes, originados pelo próprio poder público, sobretudo com as Parcerias Público Privadas (PPPs) e a  ameaça de incineração de resíduos, podendo extinguir a matéria prima básica do seu trabalho, além de causar graves danos ao meio ambiente e a saúde pública.
             Com o trabalho precário e sem a devida valorização, além da exposição constante a riscos e violências, os catadores de materiais recicláveis têm lutado por conquistar respeito e reconhecimento em todo o país.
      A Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305 de 2010, é um marco regulatório abrangente e um dos seus principais objetivos é a uniformização dos princípios e linhas gerais da gestão dos resíduos sólidos em todo o território nacional. Tal política é extremamente importante, pois pode estimular o debate para a implantação da mesma nos estados e municípios, já que, quando se trata desses entes federados, há vários equívocos no tratamento da questão.
O art. 9o da Lei 12.305/10 de certa forma é uma garantia para as Organizações de Catadores, pois estabelece uma ordem (hierarquia) de prioridade para os gestores públicos: “a gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos”. Sendo assim, não se pode realizar o destino final dos resíduos sem realizar as etapas anteriores, como a reutilização e a reciclagem.
Contudo, o mesmo artigo que traz uma possível garantia, traz uma grande ameaça em seu parágrafo primeiro ao afirmar que no que diz respeito aos resíduos, “poderão ser utilizadas tecnologias que visam à recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos”, desde que tenha sido comprovada sua viabilidade técnica e ambiental e com a implantação de programa de monitoramento de emissão de gases tóxicos aprovado pelo órgão ambientalNão se fala, por exemplo, da questão da necessidade e viabilidade da inclusão social que, para dizer o mínimo, é tão importante quanto.
Dentre as tecnologias que visam à recuperação energética está o “fantasma” da incineração que além de representar uma ameaça ao meio ambiente e a saúde pública, representa uma ameaça aos catadores e suas organizações, por passar pela queima da matéria prima de seu trabalho.
Alertou Dra. Margaret Matos de Carvalho, do Ministério Público do Trabalho da 9ª Região, em artigo por ela escrito, que não é possível ser adotada, no Brasil, qualquer tecnologia de recuperação energética que seja emissora de dioxinas e furanos, como a tecnologia da incineração, por força da subscrição, pelo Brasil, da Convenção de Estocolmo. Além disso, as informações são de que as cinzas da incineração podem representar 30% do processo e precisará de aterro especial, pelo nível de contaminação.
Um dos grandes avanços da Política Nacional de Resíduos Sólidos é que se trata de uma política pública de caráter afirmativo, destinada a enfrentar a discriminação que sofre o grupo social de catadores e catadoras de material reciclável  vindo ao encontro de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que é a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. (Art. 3º, III da CF/88).
A eliminação e a recuperação dos lixões (com prazo para 2014) prevista na Política Nacional devem ocorrer concomitantemente com a inclusão social e a emancipação econômica dos catadores, através da integração deles na gestão dos resíduos sólidos, de forma compartilhada com os gestores públicos.
Também é previsto na Política Nacional de Resíduos Sólidos a contratação da prestação de serviços dos catadores e suas organizações para a continuidade do trabalho que já realizam, asseguradas todas as garantias.
A melhor proposta apontada para o Brasil para a gestão dos resíduos sólidos, com a inclusão dos trabalhos dos catadores, é a reciclagem e a compostagem, o que possivelmente corresponde a um valor menor que a incineração.
A compostagem como adubo orgânico pode também contribuir com a solução de outro grande problema no Brasil que é a utilização de alto índice de agrotóxicos na produção de alimentos.
Daí a importância de ampliar as lutas e juntar as bandeiras. O tema do meio ambiente diz respeito a toda coletividade, pois o direito a um meio ambiente equilibrado é direito de todos.
Os direitos fundamentais dos catadores de material reciclável tem que  ser respeitados e efetivados, suas organizações precisam ser fortalecidas e os gestores públicos, no Brasil inteiro, não podem se esquecer que, além da obrigação constitucional e legal de garantir tais direitos, possuem uma imensa dívida com estas pessoas trabalhadoras pela grande contribuição no cuidado com o meio ambiente e pela inclusão de tantas pessoas no acesso ao trabalho por meio de suas organizações. O desrespeito a esta história configura uma imensa violação.
A agenda da garantia pelos Direitos Humanos no Brasil e em todo o mundo foram conquistas históricas que exigem a continuidade da luta para que esses sejam efetivamente respeitados. Ademais, deve-se seguir a luta para que outros direitos, como os direitos sociais e o direito à cidade, por exemplo, sejam assegurados, bem como a luta pela construção de uma ordem econômica com outras características. Uma economia que abrigue a ética e a justiça social, o que muito caracteriza o trabalho dos catadores e catadoras de materiais recicláveis.
Por fim, vale dizer que apesar de cada um dos públicos aqui tratados (a população em situação de rua e os catadores de materiais recicláveis) possuírem suas especificidades, eles se encontram em suas lutas pela efetivação de direitos em um lugar comum, a rua. A rua é o lugar onde vivem e/ou trabalham, e faz com que sonhem com um futuro melhor e com mais justiça social. E é por essa razão que a luta deles também é, ou deve ser, de todos nós.



[1] Texto elaborado para contribuir com a discussão no Fórum Mundial de Direitos Humanos em Minas Gerais, realizado nos dias 19 e 20 de setembro de 2013.

[2] Advogada do Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH).

[3] Técnico Cientista Social do Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH).

[4] Conceito embasado no Decreto Presidência n° 7.053 de 2009 que estabeleceu a Política Nacional para a População em Situação de Rua.

[5] O fenômeno população em situação de rua e suas origens e perpetuação é descrito por Maria Lucia Lopes da Silva em Trabalho e População em Situação de Rua no Brasil – São Paulo: Cortez, 2009.
[6] SILVA, Maria Lucia Lopes, 2009.

domingo, 1 de setembro de 2013

Carta da 17ª Romaria da terra e das águas de Minas Gerais e 9ª Romaria do/a Trabalhador/a Rural da Diocese de Leopoldina, MG.



Nós, romeiros e romeiras, do campo e da cidade, do Estado de Minas Gerais, reunimo-nos na cidade 
de Miradouro, Diocese de Leopoldina, Zona da Mata Mineira, para celebrar a 17ª Romaria da terra e das 
águas do estado de Minas Gerais e a 9ª Romaria do/a Trabalhador/a Rural da Diocese de Leopoldina. 
Anunciamos os projetos de vida, em sintonia com o Evangelho de Jesus Cristo, e denunciamos os projetos 
de morte que afligem o povo e o meio ambiente.
O compromisso com o Evangelho da Vida para todos – que gera esperança -, a fidelidade ao Deus dos 
pobres, aos pobres da terra e de Deus, nos convoca à reflexão sobre a realidade, ouvindo os clamores que 
vêm dos campos, dos camponeses, das cidades e do povo urbano. Em sintonia com os clamores do povo 
mineiro, em especial, as juventudes do campo e da cidade, escolhemos o Tema: Juventude no campo e na 
cidade, e o Lema: Defendendo nosso chão, nossa gente e a criação.
Denunciamos como projetos de morte a concentração de terras nas mãos de poucos, a privatização da 
terra e das águas, a monocultura de eucaliptos, da cana de açúcar, da soja e do capim. Nenhuma monocultura presta. Todas oprimem, violentam e devastam socioambientalmente. Denunciamos o modelo de sociedade capitalista, excludente, baseado na propriedade privada dos meios de produção, o que serve para legitimar a concentração de terra nas mãos de uma minoria, trazendo muito sofrimento e injustiças principalmente para as populações tradicionais que são expropriadas de suas terras, pela grilagem que continua desde o processo latifundiário das capitanias hereditárias até nossos dias com seus projetos grandes e monstruosos de barragem atingindo gravemente as comunidades tradicionais, os pescadores artesanais, extrativistas, camponeses e agricultores familiares.
Repudiamos a falta de compromisso dos governos com a reforma agrária, com a agricultura familiar e 
com a agroecologia. É uma grande injustiça destinar bilhões para o agronegócio e apenas migalhas para os 
pequenos do campo. Repudiamos como injusto e violento a liberação dos governos de projetos de 
mineração, de construção de grandes barragens, de monoculturas, projetos que trazem um rastro de 
destruição para o povo e para as comunidades. No campo, nas poucas matas, nos resquícios de cerrado, na caatinga, nos lagos e rios violados pelo arame farpado do latifúndio, pelo uso indiscriminado de agrotóxicos, pelo maquinário das madeireiras e das mineradoras, pelos projetos faraônicos das monoculturas, das barragens, das hidrovias e hidrelétricas, dos minerodutos etc. Basta desses projetos de morte! Estão envenenando a comida do povo brasileiro com agrotóxico. Através de minerodutos, os minérios e as águas de Minas estão sendo roubadas de nós e ficando só devastação. Isso tudo repudiamos.
Sejamos humanos e libertadores! Abracemos o antigo jeito novo de cuidar da terra como uma mãe
cuida de seus filhos. Salvemo-nos dos transgênicos lutando pela reforma agrária e pelo fortalecimento da 
agricultura familiar na linha da agroecologia. Agasalhemos a vida e o cosmo, como se agasalha nos ninhos 
as asas do futuro. No desejo de fortalecer a solidariedade e a luta por justiça, em defesa da vida e do meio 
ambiente, com a juventude, num só grito em defesa da vida da terra e das águas, do povo e de toda a criação.
A terra que Deus prometeu a todos, enquanto de todos não for, é um pecado da humanidade que clama aos céus. Alegramo-nos com as conquistas e os avanços nas lutas travadas pelos movimentos sociais do campo. 
Gratos pela acolhida e hospitalidade do povo de Miradouro e Diocese de Leopoldina, voltamos para nossas comunidades, revigorados para seguirmos lutando por Justiça e Paz. Com bênção do Deus da Vida, 
gritamos: Juventude no campo e na cidade, defendendo nosso chão, nossa gente e a criação. 
Que São Francisco de Assis, Santa Rita de Cássia e Nossa Senhora Aparecida nos inspirem e nos 
protejam.
Miradouro, Diocese de Leopoldina, Zona da Mata de Minas Gerais, 21 de julho de 2013.

CEBs, uma espiritualidade a partir dos pobres e do compromisso com a justiça....


Memória: REDE DE APOIO E SOLIDARIEDADE ABRAÇA A COMUNIDADE DANDARA

REDE DE APOIO E SOLIDARIEDADE ABRAÇA A COMUNIDADE DANDARA

“A gente tem muita fé e coragem. A gente não está só. Quanto mais eles nos ignoram, mais  gente que nos apóia”.

Maria do Rosário de Oliveira Carneiro[1]

Desde que a Comunidade Dandara, no bairro Céu Azul, em Belo Horizonte, MG, recebeu a notícia de que seria expedido o mandado de despejo no processo de reintegração de posse que tramita da 20ª vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, tem sido impressionante o grande número de manifestações de apoio e solidariedade à Comunidade no sentido de discordância com a decisão judicial e com a forma como o poder público do Estado de Minas tem tratado as 1.000 famílias que há quase três anos vivem na Dandara

Pela internet estão sendo realizadas diversas campanhas de apoio a Dandara, inclusive internacional. De diversos cantos de mundo, grupos e pessoas têm encaminhado à Comunidade Dandara, recados de apoio e contrários ao despejo. Na comunidade tem sido grande o número de visitantes, diariamente, presentes e apoiando as famílias. Um grupo de jovens apoiadores, inclusive, desde que soube da noticia do despejo, veio acampar e morar com as famílias de Dandara.

No ultimo final de semana, 12 de outubro, dia das crianças, durante todo o dia, houve festa na Comunidade, com a presença de diversos apoiadores que, de muitas maneiras contribuíram e se solidarizaram com as crianças, que são centenas. Foi um dia de muita festa e de muito gesto solidário.

Hoje, 16 de outubro, centenas de pessoas de diversos cantos de Minas Gerais, do Brasil e do mundo, vieram abraçar a Comunidade Dandara. O dia começou animado, pela manhã com as famílias e alguns apoiadores enfeitando a comunidade e preparando para receber as visitas. Foi uma verdadeira primavera de solidariedade.

Às 13:00h, as pessoas foram chegando, trazendo faixas de apoio e muita solidariedade. Foram diversas entidades, movimentos sociais e populares, religiosos/as, faculdades e universidades, sindicatos, professores, padres, igrejas diversas, estudantes, comunidades vizinhas, artistas, redes e familiares. A Comunidade Dandara, com bandeiras vermelhas fincadas em todas as casas, sinalizava a resistência, o sangue aguerrido de sua gente que insiste em dizer que sua luta é justa, legítima, urgente e necessária. Insiste ainda em dizer, sobretudo, que não pode sair de Dandara porque não tem para onde ir, porque o lugar, chamado Dandara é uma conquista, tem sido libertação, se tornou um projeto de vida para milhares de pessoas, sobretudo as crianças.

Com músicas, falas dos apoiadores e muita animação, o grande abraço aconteceu. Um ato ecumênico para pedir a bênção divina e a sua proteção. Um grupo de centenas de crianças do MST, os sem terrinha, marcaram presença. Recitaram poesia para Dandara, cantaram músicas e deram gritos de luta, solidários com as crianças e as famílias de Dandara.

De maneira organizada e em marcha, nove moradores de Dandara, cada um com uma grande bandeira vermelha, foi seguindo para um determinado ponto, dentro da comunidade, acompanhados de centenas de apoiadores e moradores. Em seguida, ao som de foguetes, com gritos e hinos, o povo foi se espalhando, dando-se as mãos e abraçando a Comunidade Dandara. Um helicóptero de parceiros e amigos,  sobrevoou a comunidade durante o ato e registrou a beleza do momento.

A comunidade Dandara possui uma área de aproximadamente quarenta mil metros quadrados. Em torno de toda a comunidade estavam as pessoas de mãos dadas, simbolicamente e concretamente dizendo para as autoridades que não concordam com a decisão que decretou o despejo das 1.000 famílias de Dandara e que esta decisão não pode ser cumprida.

Este abraço veio confirmar a força que tem o povo de Dandara. Força visível na luta de cada dia, na organização interna, na convicção de seus direitos e no imenso apoio que a comunidade tem da sociedade. Apoio em Belo Horizonte, em Minas Gerais, no Brasil e no mundo. Tem razão quando diz D. Maria, moradora de Dandara. “A gente tem muita fé e coragem. A gente não está só. Quanto mais eles nos ignoram, mas tem gente que nos apóia”.

Parabéns, comunidade Dandara!
Vocês estão construindo história.
Belo Horizonte, 16 de outubro de 2011.



[1] Advogada popular. Integrante da Rede de Apoio e Solidariedade da Comunidade Dandara. mrosariodeoliveira@gmail.com

PARA ONDE APONTA A ESTRELA? UMA MENSAGEM DE NATAL


Para onde aponta a estrela? Uma mensagem de Natal
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro


Todo ano é mais ou menos assim: quando chega o período chamado natal, uma angústia indignada parece povoar meu coração e minha alma. Como ser humano, igual a todo ser humano, tenho minhas contradições, lutas externas e internas para me manter firme naquilo que compreendo ser fundamental na vida, como a solidariedade com as pessoas injustiçadas e a defesa de um planeta sustentável, também detentor de direitos, mas, não posso negar minha indignação com as contradições que se acentuam no tempo de natal.
Depois de meditar, resolvi escrever uma mensagem de natal que é mais uma espera por um verdadeiro natal contra o capitalismo, o mercado do lucro e do consumo desenfreado que tem se apropriado do natal, como se apropriou da força de trabalho dos trabalhadores, como vem se apropriando da religião e de tantos valores da humanidade e, sobretudo, das pessoas.
Percebi que minha angústia começou se acentuar desde o mês de outubro quando atravessava, de ônibus ou a pé o Centro de Belo Horizonte. Já se percebia neste período, acentuadamente, a mudança no comércio, as propagandas, os enfeites e o investimento na iluminação das ruas, as chamadas para a compra de presentes e confraternizações de Natal. Junto a isto as notícias sobre a expectativa de vendas para o natal e todo um investimento nas mais variadas áreas de vendas. Cada dia, de outubro até dezembro, aumentava-se o número de pessoas e de automóveis e nas últimas semanas tornou-se quase que inviável caminhar pelas calçadas no centro da cidade.
As pessoas pareciam desesperadas. Não se viam e nem se olhavam. O foco estava nas lojas, nos presentes, nas compras e andavam carregadas de sacolas e dívidas, conseqüentemente. Chamou-me atenção a quantidade de crianças acompanhando os adultos nesta aventura desenfreada de consumo em um aprendizado completo, como quem se alfabetizava para a manutenção do empoderamento do deus mercado.
A princípio, como militante cristã que tenta vivenciar os princípios da Teologia da Libertação, havia pensado em escrever uma mensagem de natal revelando, como em minha luta no dia a dia, tenho experimentado o natal, como tenho visto nascer a vida, a esperança, o que posso chamar de divino nas experiências humanas. Depois de meditar nestes últimos dias e vivenciar esta profunda angústia indignada, ao entrar nas filas da vida, resolvi expressar, nesta mensagem de natal, onde o divino precisa nascer, onde talvez ainda não seja natal, onde se faz urgente conclamar o olhar solidário das pessoas. Quem dera se o olhar de toda a gente ao invés de se fixar nas vitrines, nas lojas, no consumo, se fixasse nestes lugares, os beléns, as manjedouras, os presépios de nossos dias, que aguardam a chegada do natal, embora estes lugares sejam permeados do divino. Quem dera este olhares viessem de forma organizada, na superação de toda forma de individualismo e transformado em lutas coletivas por justiça social.
Tenho convivido com as pessoas em situação de rua e as pessoas catadoras de material reciclável que conclamam por direito na sua forma mais fundamental que é o direito a vida com respeito e dignidade. No Brasil, dentro de um ano e poucos meses mais de 300 pessoas em situação de rua foram assassinadas de maneiras mais cruéis possíveis, inclusive tendo seus corpos queimados. Também com relação às pessoas em situação de rua, apesar de uma política nacional instituída, muitos estados e municípios não garantem os direitos destas pessoas. Falta uma política de moradia digna na maioria das cidades brasileiras que contemple esta população. Os equipamentos de acolhimento, em sua maioria, estão superlotados e utilizam de uma metodologia que dificulta a emancipação destas pessoas. O preconceito e a discriminação impedem de ver nestas pessoas o José, a Maria, a Tereza que se encontram nas ruas, que tem uma história de vida, que tem dignidade e tem direitos como qualquer outro ser humano.
As pessoas em situação de rua não querem ser “acolhidas” com internação compulsória, forçadas a tratamentos mascarados de saúde, mas que são de controle e higienista, de limpeza social. Estas pessoas parecem adormecidas, mas também estão organizadas e sabem de seus direitos. Em sua maioria são pessoas livres e detentoras de muitas experiências e conhecimentos. Esperam por um olhar solidário, uma oportunidade que de fato esteja na ótica dos direitos fundamentais como moradia, saúde, trabalho, vida em comunidade, respeito e liberdade.
            No encontro com as pessoas catadoras de material reciclável vejo a resistência e a valentia de um grupo de trabalhadores e trabalhadoras que encontraram no que a sociedade chama de lixo e descarta, uma alternativa de trabalho. Estas pessoas também prestam um serviço público limpando a cidade e dando ao lixo um destino sustentável, gerando trabalho, inclusão social e diminuição da poluição.
   A história da catação no Brasil e no mundo, realizada por esta categoria de trabalhadores, é remota. Eles e elas precederam a qualquer iniciativa política nesta área e de maneira autônoma e organizada mantiveram-se firmes e resistentes nesta luta. São pessoas que ainda acreditam no sistema de trabalho associativo e em cooperativas, onde os valores da solidariedade, da ética e da justiça social não são eliminados, como os são na lógica do mercado capitalista.
Contudo, o crescimento da indústria da reciclagem, como uma área rentável na economia, tem feito com que o trabalho dos catadores fique cada vez mais ameaçado pela especulação do lucro das grandes empresas, inclusive as internacionais que atuam nesta área.
No Brasil, atualmente, cresce uma onda de programas dos governos de Estados, através de processo licitatório na modalidade Parceria Público Privada, PPP, para destino final dos resíduos sólidos.
Nestes programas de governos, além da violação a história milenar de trabalho dos catadores de material reciclável, sem nenhum reconhecimento pelo serviço prestado a toda sociedade, sem garantia do direito ao trabalho digno e sem o reconhecimento e valorização das organizações de catadores como meios alternativos de trabalhos, com forte índice de inclusão social, existe a grande possibilidade de queima do lixo por meio da tecnologia da incineração.
Estudos apontam que a incineração do lixo é altamente prejudicial a saúde pública e ao meio ambiente e a legislação brasileira e internacional de que o Brasil é signatário não permite este tipo de tecnologia. Mas, manobras jurídicas e políticas estão sendo feitas e avançando cada vez mais em Estados como Minas Gerais, Brasília, etc., enquanto o povo, adormecido, contempla as luzes de natal, abastecem o ego com as compras, o consumo e as “confraternizações” e alimenta expectativas para a copa do mundo em 2014.  Este grupo de trabalhadores e trabalhadoras, denominado catadores de materiais recicláveis, como a estrela que guiou os magos até o presépio, está apontando para onde está a vida dizendo não a incineração e a coleta de lixo mecanizada e dizendo sim para a reciclagem, a compostagem e a coleta seletiva solidária do lixo. Reciclagem com o reconhecimento do trabalho dos catadores, garantindo-lhes dignidade e o fortalecimento de suas organizações como associações e cooperativas. Seguir a intuição dos catadores contra a incineração dos resíduos sólidos será seguir a estrela que guiou os magos até o presépio onde estava o menino Jesus. Este grupo de trabalhadores está alertando para a chegada de Herodes que pode vir também com o nome de incineração e exclusão da milenar classe trabalhadora de catadores de material reciclável, assim como o aumento da poluição e o aumento de doenças das pessoas.
Também não poderia deixar de falar da luta das comunidades de resistência que reivindicam a moradia digna. Em Belo Horizonte, Dandara, Camilo Torres, Irmã Dorothy, Eliana Silva e Zilah Spósito/Helena Greco também sinalizam como a estrela guia do oriente. Tenho visitado e participado da vida destas comunidades e tenho sido testemunha da força e da resistência deste povo que optou por caminhos alternativos por causa da inexistência de uma política pública eficiente de moradia para as pessoas que possuem rendas inferiores a três salários mínimos.
Como o mercado do lixo que ameaça os trabalhadores da reciclagem, o mercado imobiliário não prioriza as famílias que recebem de zero a três salários mínimos. E quem vive com esta renda, tendo que pagar aluguel, encontra a saída em se juntar, se organizar, ocupar os latifúndios abandonados (sem cumprir a função social) e construir moradia, comunidades e pessoas emancipadas.
Fico indignada porque nestas comunidades, considerada pelo poder público como irregulares, são negados às centenas de famílias, crianças, mulheres e idosos, água e luz. Em nenhuma delas, em Belo Horizonte, apesar das tentativas, foram instalados estes serviços. Vários já foram os casos de acidentes com energia porque as pessoas se vêem obrigadas a, clandestinamente, instalarem os serviços. Sabem que tem o direito garantido na Constituição brasileira, que esta não impõe limites, mas que por uma vontade (ou falta de vontade) política este direito é negado, mesmo que estas pessoas solicitem e estejam dispostas a, como qualquer outra pessoa, contribuírem com o serviço prestado. Da mesma maneira é dificultado o direito a saúde e a educação.
Experimento também a necessidade de se fazer natal nas filas do Sistema Único de Saúde – SUS. Por não possuir plano de saúde, outro dia, com uma forte infecção urinária, fui ao posto de saúde próximo ao lugar onde moro e a atendente perguntou meu endereço. Ao responder, era uma segunda feira, ela me disse que não era o meu dia e que eu tinha que retornar na quinta-feira. Indignada, perguntei se havia médico e ela me disse que sim. Então me sentei e disse que só sairia dali depois que o médico me atendesse. Esta não era a primeira vez que havia sido recebido assim e tinha notícias, por meio das famílias e pessoas que convivo de que esta é a regra.
Tenho conversado com as pessoas que utilizam o SUS e tenho escutado o clamor desta gente. Também não dá para entender como que os postos de saúde não funcionam nos finais de semana e feriados em Belo Horizonte. É como se as pessoas tivessem que organizar também o dia de ficar doente. Durante a semana tem os dias marcados e nos finais de semana e feriados nem pensar. Conheço pessoas que estão há anos aguardando uma cirurgia ou um exame. Outro dia, uma amiga que estava muito doente no interior, tinha que vim urgentemente para Belo Horizonte porque onde estava não podia fazer os exames, precisou entrar na justiça e só mediante uma liminar judicial, conseguiu um vaga em um hospital que lhe atendeu.
Quem passa pela chamada área hospitalar em Belo Horizonte também pode ver o clamor. Dezenas de pessoas que vem dos interiores porque não existe um investimento em saúde nos municípios. As prefeituras, ao invés de garantirem uma boa política de saúde local, pagam transportes para trazer as pessoas para Belo Horizonte. Na maioria são pessoas que estão fazendo quimioterapia ou radioterapia, transfusão de sangue, consultas, etc. Vem e ficam na espera, seja no hospital ou na rua. São muitas as pessoas que ficam na área hospitalar, na rua (quem não tem parentes em Belo Horizonte) aguardando a hora do retorno para sua cidade. Imagine você, doente, tendo que se submeter a cansativas viagens e esperas quando poderia ser atendido em sua própria cidade e ter, ali mesmo, o direito garantido de cuidar da saúde.
Outro Natal que precisa chegar é o respeito com as pessoas que utilizam o transporte público. Não agüento mais ler no Jornal do Ônibus que é fixado nos transportes coletivos de Belo Horizonte, um quadro que se chama “Gentileza Urbana”. Outro dia estava escrito mais ou menos o seguinte: “gentileza urbana é não sentar nos degraus, atrapalhando a subida ou descida dos demais passageiros”. Perguntei para mim em silêncio: será que alguém se perguntou por que as pessoas sentam nos degraus? Pensei em sugerir o seguinte: “gentileza urbana é ter transporte coletivo suficiente e de qualidade para que todas as pessoas viajem sentadas, inclusive com o sinto de segurança e a cadeirinha para crianças tão exigidas nos transportes privados. Por que os pobres ou os que andam a pé e de ônibus podem viajam “sem segurança”? As crianças podem ir penduradas nos ônibus, passarem se arrastando por debaixo da roleta, assim como as mulheres grávidas, os idosos, o povo cansado depois de um dia inteiro de trabalho duro, em pé e se aprumando entre as arrancadas, freadas e paradas? A segurança exigida nos transportes privados em nome da proteção a vida não vale para as pessoas que andam nos transportes públicos?
Só quem experimenta esperar pelos ônibus em Belo Horizonte, acredito que em outros lugares não deve ser diferente, sabe o quando é duro e desumano depender do transporte coletivo. Tenho esperado ônibus, por exemplo, na Avenida Antônio Carlos, onde recentemente foi feita uma mega obra de duplicação. Alguém já viu como está o povo que espera por ônibus na Avenida Antônio Carlos? O povo está comprimido em lugares apertados entre carros e poeira, em um sol escaldante e numa espera que dificilmente é menor que cinqüenta minutos. Depois de muito tempo, a prefeitura colocou uma cobertura e um “banco” para as pessoas sentarem. A sombra da cobertura ora cai no meio da pista onde passam os carros, ora cai no meio da pista onde passam os ônibus, nunca cai sobre as pessoas. Quanto aos bancos, cabem umas quatro pessoas, mas colocaram em uma altura tal que são poucas as pessoas que conseguem sentar. Além disso, o risco de acidentes é muito grande nestes pontos, sobretudo nos horários de pico.
Como advogada popular, militante dos direitos humanos, não poderia deixar de falar também da necessidade de se fazer natal no poder judiciário. As lutas do povo injustiçado do campo e da cidade dificilmente, quando se recorre ao poder judiciário, são vistas como reivindicações justas. Em minas Gerais, nos últimos dias, eram mais de quinze liminares de reintegração de posse expedidas contra centenas de famílias que insistem em permanecer no campo, produzir alimentos sem agrotóxicos e lutar por Reforma Agrária. De igual maneira são criminalizados os defensores de direitos humanos e os militantes dos movimentos sociais e populares. São muitos os que estão ameaçados de morte e de prisão e os que foram presos nos últimos meses. Torna-se urgente fazer natal nas fileiras do povo organizado que reivindica o sagrado direito de manifestação.
Por fim, esta sociedade que tem olhos abertos para as luzes do natal, para as vitrines, o comércio e o consumo parece se tornado cega diante dos clamores das pessoas injustiçadas e do meio ambiente. Nesta mensagem de natal, desejo, de coração, que possamos retirar o olhar da vitrine, do consumo, dos presentes e confraternizações particulares e construirmos olhares coletivos para o que de fato é natal: vida com dignidade para todas as pessoas; justiça social; respeito e reconhecimento de que em cada pessoa humana existe uma parte do divino. Não bastam casas, ruas, praças e cidades iluminadas. É preciso seguir a estrela guia apontada pelo povo que sofre toda forma de injustiça e esta estrela aponta para a chegada de uma nova vida que supõe luta coletiva, ternura, solidariedade, resistência e emancipação popular.
Belo Horizonte, 25 de dezembro de 2012.





Aliança de Deus com o povo da Ocupação Dandara

Maria do Rosário O. Carneiro[1] e Gilvander L. Moreira[2]


No terceiro dia, surgiu um arco-íris sobre a Ocupação Dandara.

Na noite de sábado, dia 13 de março de 2010, quando eu começava a dormir, acordei com o telefone tocando e do outro lado um clamor de desespero: era uma das coordenadoras da Ocupação Dandara (no Céu Azul, região da Nova Pampulha, em Belo Horizonte, MG) me chamando para ir até à Ocupação o mais rápido possível, pois havia acontecido um incêndio em um barraco e duas crianças haviam morrido.
Ao chegar ao local, encontrei-me com o Grupo de 18 coordenadores e coordenadoras prestando apoio às famílias, numa profunda atitude de solidariedade. Era grande a sintonia entre eles e elas, o cuidado de uns para com os outros, a luta por se manterem fortes, diante de tanta dor, a fim de poderem ser ajuda e apoio não só à família das duas crianças, mas a todo o povo da Ocupação que se encontrava em profundo estado de choque.
Ficamos por ali, como o grupo de mulheres ao pé da cruz de Jesus. Diz o evangelho: “A mãe de Jesus, a irmã da mãe dele, Maria de Cléofas, e Maria Madalena estavam junto à cruz.” (João 19,25). Quando foram retirados os corpos carbonizados de Estefânia Carolina e Beatriz Tamires - as duas crianças irmãs, de 6 e 8 anos, respectivamente, que haviam morrido - do meio das cinzas do barraco (de 2 X 3 metros) pelos homens da perícia e pelos bombeiros, levantamos nossos braços para o céu e com lágrimas, indignação, esperança e muita dor, clamamos, de mãos dadas, ao nosso Deus, através da oração do Pai Nosso: Que venha a nós o vosso Reino... O Deus a quem clamávamos era o Pai/Mãe nosso/a dos pobres e marginalizados, dos mártires e dos torturados, dos sem-teto e dos sem-terra, o Deus companheiro que acampa com os pobres (cf. Ap 21,3-4)[3] e visita carinhosamente todas as famílias em todos os barracos, conhece a dor, a esperança e a alegria do povo marginalizado (cf. Ex 3,7-9)[4].
Pedimos que viesse o Reino de Deus que tem nome de Justiça, de casa para morar, terra para plantar, saúde, educação, comida, água, lazer, liberdade e dignidade, para todos e não só para alguns. Um Reino que é de Deus, porque é do povo que está caminhando de cabeça erguida, na luta contra toda repressão, opressão, discriminação e tantas formas de exclusão.
Quando os corpos desfigurados seguiram com a polícia para o Instituto Médico Legal e a mamãe das crianças, Vera Lúcia, foi levada presa pelos policiais; permanecemos por ali acompanhando um silêncio profundo que ia se fazendo, naquela madrugada de domingo, na Ocupação Dandara. A indignação tomou conta de todos, porque nos lembrávamos da luta das famílias para construir as casas de alvenaria e sair dos barracos de lona-preta e todas as dificuldades impostas pela polícia, que, de forma ilegal e arbitrária, dificulta a construção das casas, ao proibir a entrada de materiais de construção sem considerar a legitimidade desta luta, pois a Construtora Modelo, que se apresentou como proprietária, há 40 anos, deixou o terreno abandonado, sem cumprir a função social e isto, liminarmente, foi reconhecido pela Corte Superior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que deu, sem nenhuma restrição, o direito da posse ao povo de Dandara.
Quando “tudo silenciou”, retornei para minha casa, a fim de descansar um pouco e retornar no dia seguinte. No caminho, de volta para casa, interroguei-me profundamente sobre o sentido da luta. Apoiar, ajudar, fortalecer a esperança dos pobres na luta, para conquistar direitos humanos e sociais? Por que e para que tanta dor? Assim como o profeta Elias, fugindo da perseguição do Rei Acab, por estar na luta contra a idolatria (I Reis 19,4-5)[5], eu estava profundamente desolada, mas sabia que tudo que sentia era muito pequeno diante da dor da mãe, a sra. Vera Lúcia, do pai, o sr. Reginaldo e da família das duas crianças inocentes, que morreram carbonizadas, enquanto dormiam num colchonete, no chão de um pequeno barraco. Estefânia adorava viver em Dandara. Ficava feliz quando a mãe dizia: hoje vamos para a Dandara. Na última tarde em que viveu, Estefânia disse: “Mamãe, se Deus quiser, nós estamos quase conseguindo nossa casinha para vivermos em paz.”
No domingo, dia 14, bem cedo, um telefonema de frei Gilvander, companheiro na luta, como quem traz o pão da resistência, acordou-me e me coloquei de pé, de volta à Dandara. Por lá passamos todo o dia. Começamos pela manhã com um momento orante, através da parábola do Pai Misericordioso (Lucas 15,1-2.11-32). Este Evangelho reforçou nossa indignação, diante do tratamento dado pela polícia e pelos Meios de Comunicação à mãe das duas crianças que morreram. Como pode uma mãe de quatro filhos, sem casa para morar, depois de perder duas filhas carbonizadas, ser levada à prisão e, presa, ficar algemada da meia-noite ao meio-dia, até ser empurrada para dentro de uma pequena cela no CERESP, de Belo Horizonte, onde já havia outras 21 mulheres? Por que o Estado brasileiro insiste em tratar os pobres como “caso de polícia”? Por que a mídia, sem nenhum processo prévio, acusa e criminaliza as pessoas, multiplicando suas dores e induzindo a opinião pública, para não perceber as causas mais profundas que levaram à tragédia? “A mãe foi a culpada!”, bradou a mídia aos quatro ventos. Assim, arrumava um bode expiatório, que criava uma cortina de fumaça impedindo ver as causas profundas do acontecido.  
Acompanhamos, todo o dia do domingo, a presença da “mídia sem compaixão”, como destacou um companheiro, que parecia apenas direcionar-se ao local do fato e colher relatos para o seu “comércio de notícias”, sem ver tantas pessoas indignadas e sofridas, sem enxergar toda a problemática social, que estava em torno do fato, que eles filmavam e fotografavam.
Ao final daquela tarde de domingo, convocamos a Ocupação para uma Assembléia Geral extraordinária e fizemos a leitura da Nota das Brigadas Populares à imprensa e à sociedade, escrita por pessoas que, profundamente sofridas, estavam vendo o ocorrido dentro do seu contexto. A nota se intitulava “Beatriz e Estefânia, duas crianças da Ocupação Dandara, mártires da luta contra a injustiça social”. Em sintonia com as irmãs de Lázaro (na Bíblia, João 11) que disseram a Jesus quando da morte de seu irmão: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido”, também nós acreditamos que, se a justiça social tivesse chegado antes à Dandara, certamente esta tragédia não teria acontecido.
Nossa indignação e nossa dor eram tão grandes, que o espaço da Ocupação parecia não nos caber. Então, fomos para a rua, interditamos o trânsito e gritamos por justiça e pelo direito à moradia. Chega de tanta repressão e violência! Contudo, a polícia militar, sempre de plantão, chegou com truculência e nos fez recuar. Recuamos! Mas não desistimos da luta!
No terceiro dia, na segunda-feira, dia 15 de março, voltamos à Dandara, no final do tarde. O grupo de coordenadores/as nos esperava, para fazermos uma roda de estudo e análise das notícias sobre o fato ocorrido e que, naquele dia, circularam pelos jornais. Havia chovido muito na região da Pampulha. Eram 17h15, quando chegamos à Ocupação. Na entrada, havia um profundo silêncio. Na porta do barracão, brincavam a Brenda, o Juan e o Felter, filhos de três coordenadoras. Eles gritaram alegres nossos nomes, anunciando nossa chegada, mas estávamos extasiados, envolvidos por um profundo silêncio, que gritava e sussurrava  dentro de nós ....
É que sobre a Dandara, de uma ponta a outra da Ocupação, um Arco-íris havia surgido! 
Veio-nos à mente e ao coração a lembrança de que era o terceiro dia, em que Estefânia e Beatriz haviam partido de Dandara. Lembramo-nos da passagem bíblica de Gênesis 9,13-14.16, em que Deus faz aliança com seu povo e o arco-íris é o sinal desta aliança! Não tivemos dúvida! Para nós, tudo se confirmou! Estas duas crianças, mártires da luta contra a injustiça social, através de seu sangue derramado, no chão de Dandara, reafirmam esta aliança de Deus com a vida do povo de Dandara e com tantas Dandaras da vida. Foi no terceiro dia, que Jesus ressuscitou. Foi no terceiro dia que Abraão, após caminhar três dias, refez sua experiência de Deus e ouviu a voz de um anjo: “Não estenda a mão contra o menino! Não lhe faça nenhum mal.” (Gênesis 22,12).
Como quem experimentou a ressurreição de Jesus, esta experiência nos pediu para não calarmos. Pediu-nos para anunciá-la, porque, no terceiro dia, um arco-íris sobre Dandara confirmou a grande certeza, de que Deus renovou sua aliança e seu compromisso, com a luta justa e sublime do povo sem-casa e sem-terra da Ocupação Dandara. No terceiro dia, um arco-íris surgiu sobre Dandara! Nós vimos! Mas quando anunciamos que vimos, muitas pessoas nos disseram que também viram, não apenas o arco-íris, mas Deus nos visitando! Não somente vimos, mas acreditamos: Deus renovou sua aliança com a luta de Dandara! Nenhuma autoridade tem mais moral para autorizar a polícia a expulsar o povo de lá. Deus decretou: a terra de Dandara é para usufruto das 887 famílias que a ocupam, há quase um ano. Beatriz e Estefânia vivem em nós! Com o sangue de duas crianças, a terra e a luta de Dandara se tornaram mais sagradas. Olha a glória de Deus brilhando entre nós! Quem puder entender, entenda.
Belo Horizonte, 21 de março de 2010.





[1]  Advogada Popular. mrosariodeoliveira@gmail.com.
[2] Frei e padre carmelita; mestre em Exegese Bíblica; professor de Teologia Bíblica do Instituto Santo Tomás de Aquino – ISTA -, em Belo Horizonte, MG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br e www.gilvander.org.br
[3] “Nisso, saiu do trono uma voz forte. E ouvi: “Esta é a tenda de Deus com os homens. Ele vai morar com eles. Eles serão o seu povo e ele, o Deus-com-eles, será o seu Deus. Ele vai enxugar toda lágrima dos olhos deles, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor. Sim! As coisas antigas desapareceram!””
[4] “Javé disse: “Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo do poder dos egípcios e para fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel, o território dos cananeus, heteus ... O clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e eu estou vendo a opressão com que os egípcios os atormentam.”
[5] “O profeta Elias continuou a caminhar mais um dia pelo deserto. Por fim, sentou-se debaixo de uma árvore e desejou a morte, dizendo: “Chega, Javé! Tira a minha vida, porque eu não sou melhor que meus pais”. Deitou-se debaixo da árvore e dormiu. Então um anjo o tocou e lhe disse: “Levante-se e coma”.