terça-feira, 15 de outubro de 2013

O MONOPÓLIO DA TERRA E OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL




“O monopólio da terra e os Direitos Humanos no Brasil”
 Maria Luisa Mendonça[1]

Maria do Rosário de Oliveira Carneiro

Resenha Crítica

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende ser uma resenha crítica sobre o capítulo “O monopólio da terra e os Direitos Humanos no Brasil,” escrito por Maria Luisa Mendonça, na obra Desafios aos Direitos Humanos no Brasil Contemporâneo, tendo como organizadores, Biorn Maybury-Lewis e Sonia Ranincheski[2]. Trata-se de um trabalho de conclusão da Disciplina Direito, Movimentos Sociais e Direitos Humanos, no Curso de Pós Graduação em Direitos Humanos. Na 1ª parte, priorizaremos elaborar uma síntese do capítulo, acima referido. Na 2ª parte, abordaremos outros elementos relacionados com o tema dos direitos humanos, isso é, diálogo com o texto resenhado.

O MONOPÓLIO DA TERRA E OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

A introdução da obra, escrita pelos organizadores, afirma que no Brasil há uma sociedade entre as mais desiguais do mundo. Segundo eles, o coeficiente Gini do Brasil o coloca entre os dez países mais desiguais do mundo,[3] mas a situação se torna pior por ser a maior nação, entre as mais desiguais, tanto em economia como em população.
Para os autores, apesar de após o Governo Lula, com os programas de transferência de Renda no Brasil, 12 milhões de famílias serem contempladas por tais programas, as questões relativas a violações de direitos humanos não desapareceram. Por exemplo, a taxa de homicídios tem aumentado muito e parte desta é resultado de assassinatos praticados pela polícia.[4]
Os programas de transferência de renda visam muito mais aumentar o poder de consumo das pessoas como se a inclusão passasse pela capacidade de consumo. Isto tem gerado uma série de problemas, como o aumento de endividamento etc. Outra questão que não se pode esquecer é a omissão da União, nestes anos de “Constituição Cidadã,” em regulamentar o artigo 153 da atual Constituição brasileira que prevê a criação do imposto sobre grandes fortunas. Talvez o mais urgente no Brasil seja a distribuição equitativa de rendas e uma das formas para começar a fazer isso seria criar o referido imposto e não com programas de transferência de rendas com forte estímulo ao poder de consumo. A história demonstra que nunca se consegue justiça através de inclusão pelo consumo.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) aponta para o fato de que de 1985 a 2009, em média, 2.709 famílias foram expulsas de suas terras e que 63 pessoas foram assassinadas em luta por terras anualmente. Uma média de 13.815 famílias foram despejadas pelo Judiciário, com medidas do Poder Executivo, cumpridas por policiais. Pessoas presas por lutar por terras a média anual é de 422 pessoas. Foi constatado, à época, 92.290 famílias na luta pela terra e uma média anual de 6.520 ocorrências de situações análoga ao trabalho escravo.
Pela classificação das Nações Unidas o Brasil pode ser considerado uma nação em estado de guerra, pois para a ONU, uma nação está em “estado de guerra” quando mais de 15 mil pessoas são assassinadas anualmente. O número anual total de homicídios no Brasil, urbanos e rurais, varia de 40 a 50 mil, tendo se aproximado dos 50 mil desde o ano de 2.000.
Temos contemplado, por exemplo, nos últimos anos no Brasil, um alarmante número de homicídios de pessoas em situação de rua. Dados do Centro nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Material Reciclável – CNDDH,[5] mostram que de abril de 2011 a dezembro de 2012, mais de 300 moradores de rua foram assassinados no Brasil e neste número não estão todos os casos, só as notícias que chegaram ao CNDDH. As pessoas em Situação de Rua são aquelas que, em sua maioria, sofrem todo tipo de violação.
Para Maria Luisa Mendonça, coordenadora e editora nos últimos dez anos do relatório anual sobre os direitos humanos no Brasil, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, e autora do Capítulo, objeto da resenha em tela, “quando analisamos os direitos humanos no Brasil, constatamos que a concentração fundiária está relacionada à maioria das violações, por representar a origem das desigualdades sociais e econômicas”. A propriedade privada, a riqueza, bem como os recursos produtivos são concentrados, efetivamente, causando a urbanização que tem caracterizado a história do Brasil nos últimos 100 anos. Além disso, o apoio para esta desigual distribuição tem sido política de governo.
Esperou-se que o Governo Lula e o Governo Dilma fossem fazer a Reforma Agrária no Brasil, por ser um governo considerado como de esquerda, que se construiu em diálogo com os movimentos sociais e populares e que foram eleitos, em boa parte, pelo voto do povo trabalhador. Contudo, tais governos não fizeram muito diferente dos anteriores. Aliás, ao invés de Reforma Agrária, construiu alianças com o agronegócio deixando de lado o projeto de Reforma Agrária para o Brasil.
As políticas de desenvolvimento e modernização iniciadas, ironicamente por um conservador, o presidente Getúlio Vargas (1930-1954), continuam sendo as políticas adotadas até hoje pelo governo Dilma escolhida não somente para dar continuidade ao partido dos trabalhadores no governo. Modernização, desenvolvimento e busca de grandeza constituem uma marca do desenvolvimento que, desde o início do século XX até o presente, teve por fundamento uma aliança entre os grandes proprietários de terra e as diversas encarnações dos industrialistas brasileiros e estes últimos são agora tanto urbanos quanto rurais.
Prova contundente desta aliança se deu durante o último ano da presidência do governo Lula que dentre um dos seus últimos atos, autorizou a construção do projeto hidroelétrico de Belo Monte no Rio Xingu. Isto, a despeito de o projeto haver sido engavetado por mais de 20 anos por causa dos protestos indígenas e dos aliados militantes brasileiros e internacionais. Trata-se de um projeto que estará entre os três ou quatro maiores projetos hidroelétricos do mundo.
Em nome de um progresso para poucos, a barragem de Belo Monte inundará mais de 500 quilômetros quadrados de floresta virgem no sudeste da Amazônia, deslocará 40 mil indígenas e atrairá 100 mil trabalhadores da construção civil e apoio para uma zona de conflito já altamente volátil localizada no sul do Estado do Pará. Com bastante previsibilidade aumentará mais anos de violência rural depois de concluída a construção da barragem e hidrelétrica de Belo Monte.
Afirma a autora que há dez anos a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos publica um relatório anual que analisa direitos civis, político, econômicos, sociais e culturais no Brasil. Um balanço deste período mostra que o país segue sem enfrentar as principais causas das violações de direitos básicos. Inconcebível que em pleno século 21 ainda não se tenha resolvido problemas como a fome, o analfabetismo, a concentração fundiária, o enorme déficit de moradia, o caos na saúde pública e o descaso com a educação, apesar de ser o Brasil a 6ª maior economia do mundo.
Os relatórios mostram que as violações aos direitos humanos são resultados de políticas econômicas neoliberais que geram maior desigualdade econômica e social. A concentração fundiária no Brasil está relacionada com a maioria das violações aos direitos humanos por representar a origem das desigualdades sociais e econômicas. O Censo do IBGE de 2006 revelou que as propriedades com menos de 10 hectares ocupam menos de 27% da área rural enquanto as propriedades com mais de mil hectares representam 43% do total.[6]
O Brasil é apontado pelo IBGE como o país campeão em concentração de terras, com um dos piores índices em concentração de rendas. Isto não permite que o Brasil supere o problema da fome, pois, apesar de todo seu potencial agrícola, dados do IBGE mostram que 14 milhões de pessoas passam fome e mais de 72 milhões vivem em situação de insegurança alimentar.
A reforma agrária é de suma importância para o conjunto da classe trabalhadora, tanto do campo quanto da cidade. Quando os camponeses são expulsos de suas terras, cria-se uma massa trabalhadora desempregada, passível de exploração e gera maior vulnerabilidade entre os trabalhadores urbanos e rurais. A manutenção da agricultura de subsistência tem um papel muito importante para o conjunto dos trabalhadores.
Importante destacar a importância da agricultura camponesa. Apesar de ocupar apenas um quarto da área, o IBGE constatou que a agricultura camponesa responde por 38% do valor da produção e que 12,3 milhões de trabalhadores no campo estão trabalhando com a agricultura camponesa, o que corresponde a 74,4% do total dos trabalhadores do campo.
Contudo, os camponeses hoje estão no centro da disputa por bens naturais, sobretudo nas regiões onde se concentra água, terra, minério e biodiversidade. A disputa geopolítica se dá tanto no âmbito nacional quanto mundial. Com a participação dos governos, o capital avança e agrava a exploração ambiental e trabalhista, restando apenas a resistência dos camponeses e suas organizações no combate a tal exploração.
O latifúndio no Brasil continua sendo beneficiado pelo Governo e a fronteira agrícola continua se estendendo. A relação entre a concentração fundiária e o apoio estatal é estreita. Para Frei Sérgio Gorgen, dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), “No Plano Safra 2009/2010 foram destinados 93 bilhões para o agronegócio e 15 bilhões para a agricultura camponesa”.
Além de ser desproporcional o fornecimento de subsídios, outras formas de privilégios são fornecidas ao latifúndio, como a Medida Provisória que legaliza a grilagem de terra na Amazônia, a flexibilização da legislação ambiental e trabalhista, sem contar a falta de investimento em atividades de fiscalização no combate, por exemplo, ao trabalho escravo.
O Fórum mineiro de Reforma Agrária divulgou informações a mais ao artigo publicado na Folha de São Paulo do dia 06 de janeiro de 2013 que tentou demonstrar a ineficiência do atual Governo brasileiro quanto a reforma agrária.
Para o Fórum mineiro de Reforma Agrária as políticas de reforma agrária no Brasil, na Bolívia e no Paraguai, por exemplo, têm um forte obstáculo: o agronegócio:
Este complexo de sistemas das corporações multinacionais está desafiando os movimentos camponeses no impedimento da reforma agrária, ora pressionando os governos, ora fazendo parte do arco de alianças de apoio aos governos de direita, centro e esquerda na América Latina, ao que o PT não fugiu a regra, e fez acordo para fins eleitorais, através, especialmente das usinas de cana de açúcar e empresas produtoras de laranja (leia-se SUCO CÍTRICO CUTRATRALE), em sua boa parte localizadas no interior de São Paulo, coincidentemente, região do responsável financeiro pela campanha da petista Dilma Russef, Antônio Palocci”.

Segundo o referido Fórum, um exemplo real e atual desse acordo acontece em Iaras, interior de São Paulo, área comprovadamente grilada pela citada empresa e ocupada pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que foi violentamente rechaçada, e no interior de Minas Gerais, na cidade do Prata, região do Triângulo Mineiro, próximo do interior paulista, onde a CUTRALE possui seis fazendas, e em uma delas, denominada Fazenda Vale Azul, com área irregular também, com degradação ambiental, com trabalho degradante, e o governo federal, nada faz, e por informação do próprio superintendente do INCRA em Minas Gerais, a casa civil afirmou que tem interesse na área, mas não para  a reforma agrária.
O agronegócio avança no Brasil e, além do apoio do governo federal, cujas campanhas financiou, conta com o poder judiciário que se faz conivente, haja vista a grande impunidade e morosidade dos processos que envolvem a luta pela terra, tanto os de desapropriação, quanto os processos criminais em que trabalhadores rurais ou seus  apoiadores foram vítimas de homicídios e atentados.
Neste sentido, podemos citar o massacre de Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, em que cinco trabalhadores rurais foram executados há oito anos e o mandante do crime, réu confesso, continua solto. O julgamento estava agendado para 17 de janeiro de 2013 e, às vésperas, foi adiado sem definição de nova data. Mais alarmante ainda: a fazenda, área grilada, parcialmente terra devoluta, tem a reintegração de posse a favor do assassino, determinada pelo judiciário.
O Portal Minas Livre[7], no dia 06 de fevereiro de 2013, trouxe a seguinte manchete: “Juízes acusados de favorecer latifúndio podem ser afastados”. Uma audiência Pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, neste mesmo dia, aprovou um requerimento ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pedindo o afastamento do Juiz Titular da Vara Agrária em Minas Gerais e da Juíza da 12ª Vara Federal que, segundo várias denúncias, tem agido com favorecimento aos grandes proprietários de terra em Minas Gerais, ao expedir liminares de reintegração posse de latifúndios que não cumprem a função social, sem visitar as áreas ocupadas e sem ouvir as famílias sem terra que, por necessidade, tiveram que ocupar essas áreas.
A matéria traz o depoimento do representante do acampamento de Rio Pardo de Minas, Isaías de Oliveira, que relatou que as famílias foram despejadas do local de forma irregular. “Fomos despejados na véspera do Natal e não tivemos como pegar nossas barracas e nem nossos pertences. Nossas criações ficaram todas no local. Apesar da terra ser devoluta, o juiz da vara de conflitos agrários, Octávio Almeida, mandou fazer a reintegração de posse”, disse.
Essa é a realidade agrária brasileira, da qual Minas Gerais é um triste exemplo, afirma o Fórum Mineiro de Reforma Agrária.
O INCRA, órgão que deveria prestar o serviço a esses trabalhadores rurais, buscando terras que não cumprem a função social para assentá-los e estruturar os assentamentos, tem sido conivente com o agronegócio. Não avalia, como manda a lei e a Constituição, crimes ambientais e trabalhistas, não vistoria as áreas e quando compra áreas, são de dificílimo acesso para trabalhadores que quando muito possuem um carro velho para escoar sua produção sofrida e conseguida sem apoio nenhum do governo federal, um completo descaso, abandono, e o apoio a empresas que possuem trabalho degradante e terra grilada como a SUCO CITRICO CUTRALE justamente por acordos de campanhas políticas, processos secretos sem direito a vista por trabalhadores que sequer sabem o resultado das vistorias”.

            O compromisso do Governo Federal com o agronegócio não permite a desapropriação de terras para fins de Reforma Agrária. Resta a resistência militante dos trabalhadores urbanos e rurais organizados frente a essa tremenda violação.
A crise climática se agrava com o avanço da fronteira agrícola, pois o Brasil é o quarto país do mundo que emite mais gás carbônico na atmosfera, sobretudo em conseqüência da destruição da floresta amazônica que representa 80% das emissões de carbono no país.
A produção de alimentos vem sendo cada vez mais substituída pela expansão dos monocultivos para produção de agroenergia e isto vem ocupando as melhores terras, inclusive as áreas de proteção ambiental na Amazônia e Cerrado.
A água tem se transformado em monopólio. A produção de agroenergia tem agravado a poluição das fontes de água potável e a qualidade das águas subterrâneas dos rios, litorais e nascentes vem sendo impactada pelo crescente uso de fertilizantes e pesticidas usados nos agrocombustíveis. Dados da ONU apontam para um número de 1,2 bilhões de pessoas que não tem acesso a água potável, 2,4 bilhões que não tem acesso a saneamento básico e todos os anos, 2 milhões de crianças morrem por doenças causadas por água contaminada. Nos países mais pobres, uma em cada cinco crianças morre antes dos cinco anos de idade por doenças relacionadas à contaminação da água.
O setor sucro-alcooleiro vem, cada vez mais, sendo monopolizado pelo capital internacional. Com crescentes incentivos do governo, empresas estrangeiras são atraídas pela produção de agroenergia e pretendem lucrar com a expansão do setor. Terras e usinas são compradas por estas empresas para a produção de etanol. O que vai surgindo é a desnacionalização da indústria e do território brasileiro.
Uma nova característica da indústria do etanol é a aliança entre os setores do agronegócio com empresas petroleiras, automotivas, de biotecnologia, mineração, infraestrutura e fundos de investimento com total ausência de contradição com a oligarquia latifundista, ambas beneficiadas com a expansão do capital no campo, com o apoio do governo e com o abandono de um projeto de reforma agrária.
Com a expansão dos monocultivos e a exploração do trabalho, o trabalho escravo permanece altamente presente no Brasil e é campeão no número de usinas de cana. Dados da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo da CPT, em 2007, dos 5.974 trabalhadores resgatados da escravidão no campo brasileiro, 3.060 ou 51% foram encontrados no monocultivo da cana de açúcar.
Empresas incluídas na chamada “lista suja” do governo, por realizar trabalho escravo, como a Brenco, continuou sendo beneficiada pelo BNDES.. Entre 2008 e 2009, o BNDES liberou 1 bilhão para as usinas da Brenco em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Ao mesmo tempo, 107 autos de infração foram expedidos contra a referida empresa que é presidida  pelo ex-presidente da Petrobrás, Henri Philippe Reichstul[8].
Além da real situação de desemprego por causa da expulsão dos camponeses de suas terras, as condições de trabalho degradantes são um dado alarmante com a expansão de monocultivos para produção de agroenergia.  Registra-se uma exigência das usinas de cana de 12 a 15 toneladas por dia por cada trabalhador. O não cumprimento da meta pode resultar na demissão do trabalhador e seu nome colocado em uma lista que circula pelas demais usinas impedindo-o de trabalhar na safra seguinte.
Salários ínfimos e em desacordo com a produção. Os trabalhadores não têm o controle da produção. À hora do pagamento são muitos os descontos. Pagam aluguéis caros, saem de casa muito cedo e tem que levar comida, pois a indústria não fornece. Os problemas de saúde são muitos.
As doenças causadas pelo trabalho, as mutilações e até mortes de trabalhadores são uma realidade nas usinas de cana de açúcar. Tendinites, problemas de coluna, deslocamento de articulações e câimbras. Raramente, tais situações são reconhecidas como acidentes de trabalho e ficam sem qualquer remuneração.
A migração, sobretudo de trabalhadores vindos do nordeste para São Paulo, faz parte do grande contexto dos trabalhadores. A vinda destes trabalhadores para São Paulo é fruto do desemprego causado pelo modelo agrário baseado no monocultivo e no latifúndio. As cidades dormitórios crescem nas regiões dos canaviais. Os trabalhadores vivem em cortiços ou barracos superlotados, sem ventilação ou condições de higiene, pagando por um custo alto  e sofrendo vários tipos de exploração.
Também no que se refere ao trabalho escravo, a impunidade é total. Não bastasse a legitimidade dada pelas políticas de governo de financiamento às empresas que utilizam o trabalho escravo, também aqui, no judiciário, a morosidade dos processos e a impunidade são alarmantes, haja vista a chacina que aconteceu em Unaí em 2004, onde foram assassinados 03 fiscais da Delegacia Regional do Trabalho e um motorista, justamente porque denunciaram o trabalho escravo na região, como expressa, indignado, Frei Gilvander Luis Moreira, assessor da CPT em Minas Gerais[9]:
“Era dia 28 de janeiro de 2004, 8h20 da manhã, em uma emboscada, cinco jagunços dispararam rajadas de tiros em quatro fiscais da Delegacia Regional do Ministério do Trabalho, perto da Fazendo Bocaina, município de Unaí, Noroeste de Minas Gerais. Passaram-se 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 anos. Já foi aprovada a Lei 12.064, que criou o dia 28 de janeiro como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Mas e a Justiça? Por onde anda? No dia 28 de janeiro de 2013 completam 9 anos da chacina”.

            Também neste caso, com julgamento previsto para fevereiro de 2013 por pressão dos movimentos sociais e populares, a juíza da 9ª  Vara Federal de Belo Horizonte, Raquel Vasconcelos Alves de Lima, responsável pelo processo, declinou da competência para a Justiça Federal no município de Unaí, retirando o processo de Belo Horizonte e retardando o julgamento. Importante destacar que a competência em relação ao lugar no direito processual é relativa e a Vara da Justiça Federal em Unaí foi criada em 2010, muito depois da ocorrência do crime que se deu em 2004. Afirma, na referida nota, Frei Gilvander Luis Moreira:
Enquanto reina a injustiça e a impunidade, o município de Unaí se transformou em campeão na produção de feijão, no uso de agrotóxico e no número de pessoas com câncer. Relatório do deputado Padre João (PT) demonstra que o número de pessoas com câncer, em Unaí, é 5 vezes maior do que a média mundial. A cada ano, 1260 pessoas contraem câncer na cidade. Aliás, um hospital do câncer já está sendo construído na cidade, pois ficará menos oneroso do que levar toda semana vários ônibus lotados de pessoas para se tratarem de câncer no Estado de São Paulo. A terra, as águas e a alimentação estão sendo contaminadas pelo uso indiscriminado de agrotóxico. Trabalho escravo e agrotóxicos matam”!
                Unaí, Felisburgo e outros lugares destacados acima representam o atual retrato do Brasil e o projeto político de utilização da terra.

CONCLUSÃO
A medida essencial e urgente para superar as violações de direitos básicos no Brasil continua sendo a reforma agrária. Faz-se urgente um modelo agrícola baseado na agroecologia e na diversificação de produção.
O latifúndio continua sendo o responsável pela violência no campo por meio das milícias armadas. Uma ampla reforma agrária que propicie o acesso a terra para milhões de trabalhadores sem-terra, aumentando a produção de alimentos para o Brasil é o que irá eliminar a fome. Políticas de subsídios para a produção de alimentos provenientes da agricultura camponesa e familiar, o fortalecimento das organizações sociais rurais que defendem um novo modelo alicerçado na produção diversificada e a construção da soberania alimentar são alternativas para uma reforma agrária ampla e massiva, medida de extrema urgência.
Junto a isto se torna imprescindível regulamentar o artigo 153 da Constituição Federal atual, criando o imposto sobre as grandes fortunas. Não é suficiente ou até se pode questionar a eficácia das políticas de transferência de renda como meios de emancipação. O estímulo ao consumo não pode ser visto como meio de inclusão. Não basta transferir renda, precisa-se distribuir rendas, gerar equidade. Para isto, é fundamental Reforma Agrária ampla, sob a perspectiva dos trabalhadores Sem Terra da Via Campesina e reforma urbana – que é diferente de urbanização de favelas -, Educação, saúde, alimentação, moradia e todos os demais direitos sociais e fundamentais de qualidade garantidos a todas as pessoas.
A tão esperada reforma agrária não saiu do papel da Constituição já editada várias vezes. Tal projeto cada vez mais se distancia dos planos de governo e resta ao povo, a resistência, o ato de ocupar. Aliás, a desobediência civil se legitima quando o direito é garantido e não se fazem por efetivá-lo aqueles que têm o dever de fazê-lo. Se perguntarem qual a saída, apontamos a resistência, a organização popular no campo e na cidade, o empoderamento consciente das classes trabalhadoras. Lutar de forma organizada é preciso, pois o capitalismo tende sempre a violentar pessoas, a devastar o meio ambiente, isso de forma gradativa. Por isso o capitalismo é barbárie. A alternativa é transformação social que leve ao socialismo. O caminho passa pela luta de massas, pelo povo organizado na conquista do poder.







[1] Diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
[2] Editora Verbena. Brasília, 2011.
[3] Depois da Namíbia, África do Sul, , Lesoto, Botsuana, Serra Leoa, República da África Central, Haiti, Colômbia e Bolívia.
[4] O Human Rights Watch : “as polícias de São Paulo e do Rio de Janeiro, juntas, mataram mais de 11 mil pessoas desde 2003(…) Muitos policiais compõem “esquadrões da morte” ou no caso do Rio de Janeiro, milícias ilegais armadas, responsáveis por centenas de mortes todos os anos”.
[5] O CNDDH fica situado em Belo Horizonte, à Rua Paracatu, 969, Bairro Barro Preto, e tem como um de seus objetivos combater a violência contra a população em situação de rua e os catadores de material reciclável.
[8] Folha de São Paulo, BNDES é sócio de usina acusada de usar trabalho escravo, 30/06/09.